O novo disco do ABBA é sensacional

 

ABBA – Voyager

Gênero: Pop

Duração: 37:09 min
Faixas: 10
Produção: Benny Andersson e Bjorn Ulvaeus
Gravadora: Universal

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Poucas coisas poderiam ser mais anti-2021 que um disco do Abba. E digo isso como um dos maiores elogios possíveis para este novo trabalho do quarteto sueco. Num tempo tão obtuso, fugidio e cínico, ouvir um feixe de dez canções com a marca registrada de Benny Andersson e Bjorn Ulvaeus, além dos vocais de Anni-Frid Lyngstad e Agnetha Faltskog soa quase como um ato de resistência e enfrentamento do modus operandi de hoje. Este “Voyager” surgiu inesperadamente, visto que a ideia do quarteto era apresentar apenas duas canções inéditas como complemento de um espetáculo chamado ABBAtars, no qual projetariam hologramas e revisariam sua turnê de 1979 em formato 3D, quando estavam no topo do mundo. Por conta de problemas técnicos e outras situações adversas, o tal espetáculo acabou servindo mais para reunir o quarteto – separado do disco desde o início dos anos 1980 – e motivou uma onda criativa, resultando nas dez faixas de “Voyager”. Além disso, claro, a pandemia de covid-19 contribuiu para atrapalhar lançamento e divulgação mas, depois de toda essa espera, temos certeza que valeu.

 

“Voyager” é um típico álbum do Abba, outro baita elogio. Parece mas o quarteto poderia ter cedido às tentações de gravar algo eletrônico, sequenciado, autotunado ou preso às ferramentas fáceis da tecnologia de hoje, certo? Não há uma só evidência que o disco contenha qualquer um desses truques, pelo contrário: tudo aqui é no peito e na raça, como costumava ser há quarenta anos ou mais. As vozes das meninas seguem praticamente intactas e a musicalidade de Benny e Bjorn também, ou seja, “Voyager” está cheio de melodias perfeitas, arranjos vocais belos e arranjos com cordas e muitos teclados, com direito àquelas progressões de acordes que celebrizou o grupo lá nos anos 1970. E as canções seguem habitando aquelas mesmas divisões estéticas: tem as mais rápidas, quase disco, quase dançantes, excelentes para um karaokê. E tem as baladas/baladonas, derramadas, dramáticas, românticas, cantadas como se o mundo estivesse a cinco minutos do fim. Tudo está aqui, além, claro, daquela aura de final do Eurovision, sem falar na absoluta e necessária ingenuidade de abordar temas como o amor, o companheirismo e tudo mais. Eu disse que era resistência e enfrentamento, né?

 

A produção é limpa e ótima. Há algum enxerto digital aqui ou ali mas nada que vá além do uso da ferramenta facilitadora no estúdio. E, claro, há o exagero que marca tanto o grupo. As cores, os timbres, o uso das vozes, tudo que fez do Abba uma improvável estrela pop em pleno século 21, seja pela nostalgia, seja pela revisita crítica ou, justiça seja feita, pelos seus próprios méritos. Aliás, outra banda co-irmã e igualmente achincalhada no passado por críticos e otários de plantão, – os Carpenters – foi também reconduzida a uma posição de honra. Sendo assim, “Voyager” é quase um atestado de vida, dado quarenta anos, por uma banda que, curiosamente, esteve presente esses anos todos sem gravar nada novo por tanto tempo. E as canções do disco têm força suficiente para figurar entre o melhor que o grupo sueco já produziu em suas fases mais prósperas. Tem balada e canção dramática pra cantar na frente do espelho, pra ouvir enquanto se faxina a casa ou se faz o almoço, como estou fazendo neste instante.

 

Não há momento ruim ou pouco inspirado por aqui. Há três faixas sensacionais, a saber, “Don’t Shut Me Down”, que foi um dos singles, e é uma lindeza de volta por cima, de resistência e fé na sua própria capacidade de resolver problema. Tem a lindeza absoluta de “Keep An Eye On Dan”, que é perfeita e irmã mais nova de “Gimme Gimme Gimme”, de quem surrupia o mesmo final pianístico, numa citação feita sob medida para fãs de longa data. E tem a ótima “No Doubt About It”, outra pequena joia dançante e com uma guitarrinha base que pode surpreender os mais céticos. O resto é pura maravilha, indo do drama exagerado de “Bumblebee”, passando pelo drama menos exagerado de “I Still Have Faith In You”, o outro single, que abre o disco, e percorrendo o percurso sonoro até a apoteose que chega com “Ode To Freedom”, que tem decalque de peça de música clássica e aquele climão over que o Abba tanto consagrou e do qual se apropriou.

 

“Voyager” é divertido, bem feito, belo e digno de figurar entre outros discos tão bacanas quando “Arrival”, “”Super Trouper” ou “Voulez-Vous”, feito que, repito, em pleno 2021, não é pra qualquer um. Certamente, um dos grandes momentos do ano na música.

Ouça primeiro: “Don’t Shut Me Down”, “Keep An Eye On Dan”, “No Doubt About It”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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