Ouvi um disco de inéditas do Bon Jovi em 2024

 

 

 

 

Bon Jovi – Forever
49′, 12 faixas
(Universal)

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

Vou confessar a vocês a intenção deste texto. Espinafrar o Bon Jovi. E por quê, ora bolas? Porque o velho Jon Bon Jovem há tempos não lança nada minimamente bacana e eu, como um, digamos, admirador oblíquo da banda, andava meio irritado com isso. Ora, justo quando o cara está no auge da beleza de dentes mentex e cabelos grisalhos, multiquiprilionário, fazendo o bem sem olhar a quem através de ações sociais bacanas, como o restaurante popular no qual alimenta milhares de pessoas gratuitamente todo dia, experimenta uma das fases menos criativas de sua carreira? Não pode. E, pra piorar, o último álbum, “2020”, lançado no início da pandemia da covid-19 trazia todo o bode daquele momento, materializado em canções péssimas, preguiçosas, chatíssimas, inclusive com uma delas parecendo terrivelmente o Coldplay de 2013. Mesmo que eu tenha me sensibilizado por conta dos problemas vocais que Jon tem enfrentado – que resultaram até em cirurgias – já vinha preparado para enfiar a marreta em “Forever”. Os dois singles lançados até aqui, “Living Proof” e “Legendary” só aumentaram a certeza de que viria uma bomba atômica sonora. Bem, ainda que não seja bom, o álbum é muito melhor que o anterior e tem duas faixas que podem se juntar ao melhor da lavra bonjoviniana desde sempre. Logo, não posso fazer o que havia planejado. Senão vejamos.

 

Pelas minhas contas, a última canção realmente legal do Bon Jovi a ser lançada antes deste novo trabalho foi “Have A Nice Day”, do distante ano de 2005. De lá pra cá, pouca coisa foi produzida que realmente se destacasse dentro do cânon da banda. Por mais que a gente se irrite, o Bon Jovi tem uma fileira de canções bacanas e respeitáveis, que vêm numa tradição ame/odeie desde meados dos anos 1980, quando Jon, Richie e cia, eram pouco mais que moleques de rua em Nova Jersey, procurando fazer a fusão do rock de classe trabalhadora que Bruce Springsteen fazia na época com o laquê do hair metal. Aos poucos foram conseguindo lograr esse êxito, e, mesmo que tenham resvalado para a canastrice em vários momentos da carreira, quem teria a coragem de desqualificar do debate canções como “Livin’ On A Prayer”, “You Give Love A Bad Name”, “Always”, “It’s My Life”, “Runaway” e pequenos colossos como “Blaze Of Glory” e “Someday I’ll Be Saturday Night”? Pois é, quase ninguém.

 

Sendo assim, esse “Forever” chegou com a missão de dar o testemunho de existência/sobrevivência de Jon e sua banda em pleno 2024. Há onze anos sem Richie Sambora, cuja ausência, no fim das contas, não se fez sentir tanto assim, o que ainda haveria para ser dito? O segredo está nessa consciência que o próprio Jon adquiriu de si como cantor, compositor e popstar. E encampou um olhar para sua própria trajetória que passa pela superação de vários obstáculos e provações. O material que ele gravou no álbum anterior era quase integralmente sobre essa missão de vida, essa necessidade de atravessar, de se manter vivo. Aos 62 anos, ele até parece mais velho do que é, tamanha a importância que dá a isso. Certamente a versão oitentista de Bono e o próprio Bruce Springsteen são modelos a serem seguidos em termos de postura e conduta dentro e fora do palco. E, bem ou mal, os músicos que integram o Bon Jovi há tanto tempo são capazes de manter quente o arroz com feijão hard rock romântico que reveste a música da banda desde sempre. Quando a safra de canções é boa, o acerto é inevitável.

 

A primeira canção que me fez repensar minhas péssimas intenções com este texto foi “Waves”. Ela tem muito a ver com “Blaze Of Glory”, ainda que seja menor e tenha um pouco mais de acento pop. Onde antes há paisagens maiores que a vida e desfiladeiros arenosos sendo vencidos, aqui a imagem é urbana, cotidiana, mas superada apenas com tenacidade e determinação. É Jon se autovangloriando. “Seeds” é canção para estádios, habilidade na qual os caras têm mestrado e doutorado, ainda que o arranjo seja muito leve para o potencial da faixa. Se fosse mais pesado, seria o melhor momento do álbum. “Walls Of Jericho” é dessas canções que a gente sente vergonha de gostar. Mas é isso mesmo. É rock motoqueiro-bíblico de araque, mas irresistível na melodia e feito sob medida para ser cantado por multidões, novamente, mostrando a determinação diante da adversidade e com a mensagem religiosa-coach de nunca desistir. “My First Guitar” é, como o nome já diz, uma jornada aos primórdios da construção de Jon como o popstar que viria a ser. É nostálgica, acústica, vai crescendo e, bem, explode lá na frente num refrão catártico “I’m in love with my first guitar”. E o fecho com “Hollow Man”, outro momento acústico, contemplativo, religioso, mas numa pegada mais “Joshua Tree”, reafirmando o desejo messiânico do velho Jovem.

 

“Forever” é disco para velhos fãs se olharem e dizerem: “pombas, ainda há esperança”, mesmo que não haja. Mas essas faixas, com boa vontade, são melhores do que tudo que Jon compôs desde 2005. Já é alguma coisa, acho.

 

Ouça primeiro: “Seeds”, “Waves”, “My First Guitar”, “Walls Of Jericho”, “Hollow Man”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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