The Marías: meio trip hop, meio Britney Spears
The Marías – Submarine
45′, 14 faixas
(Atlantic)
O tempo, amigos e amigas, ele não para. É engraçado, pelo menos para mim, notar que uma artista como Britney Spears já é influência no som de bandas e cantoras novinhas, que estão em atividade. Os primeiros segundos de “Ride”, faixa que abre este ótimo álbum do grupo americano The Marías, ecoa o mesmo timbre de “Ooops, I Did It Again”, um dos primeiros sucessos de Brit. É pouco maior que uma vinheta, mas dura o suficiente para entendermos que o pop da virada do milênio é uma das fontes de inspiração que norteiam o som que a vocalista Maria Zardoya e seus companheiros levam adiante neste “Submarine”. E não só isso: o trip hop dos anos 1990 é outra referência forte na pegada sonora de The Marías. Não tem o mesmo peso e escuridão de um Portishead mas tem, digamos, a mesma eficiência e fluência de um Snearker Pimps, por exemplo. Além disso, tem pitadas de elegância jazzy pop à la Norah Jones, muita graça, ótimas composições e muito estilo, oferecendo uma variante do pop alternativo altamente bacana e que deve ser conhecida pelo maior número de gente.
Não que The Marías seja uma banda alternativa, mas ainda não é the next big thing e me pergunto se um dia será. Torço para que não, que habite um nicho intermediário em que o sucesso esteja assegurado, mas não a ponto de banalizar ou embotar a liga sonora que esses jovens já estão fazendo e olha que “Submarine” é apenas o segundo álbum que lançam. Maria Zardoya é de origem portorriquenha, mas foi criada em uma cidadezinha do interior da Georgia, na qual ela desenvolveu o gosto pela música, aprendendo a tocar e compor desde menina. Lá encontrou o baterista Josh Conway, que se tornou seu namorido e, mais recentemente, o guitarrista Jesse Perlman e o tecladista Edward James. Com essa formação The Marías começou a fazer shows em âmbito local e chamou a atenção da crítica e das rádios da região, confirmando uma tendência bastante interessante atualmente nos USA: artistas que cantam tanto em espanhol quanto em inglês. De 2017 para cá lançaram vários EPs e o álbum de estreia, “Cinema”, em 2021. A evolução sonora da banda é espantosa.
Maria Zardoya é a figura central do grupo. Sua graça, suas composições e seu jeito de cantar, a meio caminho entre Britney e Norah Jones, com pitadas de Selena, é, como diriam os mais velhos, sinal dos tempos. Ela encanta o ouvinte, não parece fazer qualquer esforço para tal e as letras das canções, compostas por ela na maioria das vezes, falam sobre dramas pós-juvenis advindos do cotidiano feminino em busca de espaço e igualdade. A identificação com a mulherada mais jovem é total, sem que ela abra mão de posar como musa impossível para os românticos inveterados que ainda possam existir por aí. O segredo, a meu ver, está na mistura muito bem dosada de influências. No anos 1990, não “pegava bem” misturar, por exemplo, canções do segundo disco do Portishead com algum sucesso do Backstreet Boys ou similar. Ou seja, o pop mais deslavado não casava bem com algo mais elaborado, mas isso ficou para trás e os grandes acertos da música pop que importa no mundo hoje vem dessa mistura bem dosada ou não.
Maior exemplo disso é uma faixa em particular, “Paranoia”. Sua estrutura é praticamente perfeita, com arranjo muito bem feito, lembrando, ao mesmo tempo, Fleetwood Mac, Britney Spears e, sei lá, o Daft Punk da fase “Discovery”. É tudo naturalmente misturado e amalgamado, coisa de gente sensível e profissional que descobriu a fórmula da Coca-Cola. Há outras muitas canções assim em “Submarine”: elas podem ser mais pop e simples, como o single “Run Your Mouth” ou mais complexas e eletrônicas, como a ótima “Hamptons”, cujo arranjo prevê um sintetizador onipresente que parece gotejar chuva na janela do ouvinte enquanto a melodia tristonha vai avançando. “Echo” e “Real Life” são perfeitinhas e mantém o nível no alto, enquanto “Lejos de Ti” surge como uma balada noturna, triste, que fica ainda mais bonitinha em espanhol. Na verdade, não há faixa ruim em “Submarine”, elas só mudam de acordo com o tom do arranjo. Tudo se encaixa e às vezes soa como algo feito por uma velha raposa da canção, como, por exemplo, “Love You Anyway”, que lembra baladas soul dos anos 1980 ou algo que Mariah Carey poderia ser gravado em sua fase tijucana. E quando você pensa que Maria já apresentou todos os seus truques de cantora, vem “No One Noticed”, que parece soprada pelo vento de inverno. Para quem tem um coração, é coisa séria e irresistível.
The Marías é uma das mais consistentes promessas concretizadas em 2024. Seu segundo disco é praticamente irretocável, uma lindura melódica, meio triste, olhando de lado enquanto tenta descobrir quem você realmente é. Coisa séria, meus amigos. Ouçam e comprovem.
Ouça primeiro: o disco todo, mas dê atenção especial a “Hamptons” e “No One Noticed”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.