Casa cheia de belezuras e melodias

 

 

 

Crowded House – Gravity Stairs
41′, 11 faixas
(BMG Australia)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

E cá está o sensacional Crowded House com seu oitavo álbum. É uma carreira elegantemente concisa, composta em três atos. Os mais velhos hão de lembrar do surgimento da banda liderada por Neil Finn ainda em 1986, quando lançou o primeiro álbum e fez bonito nas paradas de sucesso com a bela “Don’t Dream It’s Over”. Dois anos depois, o segundo álbum, “Temple Of Low Men”, faria outro hit mundial, ainda que em menor rotação: “Better Be Home Soon”. Até 1993, o Crowded House permaneceria unido e produtivo, completando este período com dois outros ótimos trabalhos: “Woodface” (1991) e “Together Alone” (1993). Voltariam quatorze anos depois, já sem o tecladista e baterista fundados Paul Hester, morto em 2005 e lançariam mais dois discos: “Time On Earth” (2007) e “Intriguer” (2010). Depois disso, onze anos mais tarde, a encarnação atual da banda, contando com os fundadores Neil Finn (vocais, guitarra) e Nick Seymour (baixo, vocais), o tecladista e produtor Mitchell Fromm e dois filhos de Neil, Elroy (bateria) e Liam (guitarra, vocais). Em meio a esta linha do tempo, NEil Finn integrou os Finn Brothers, com seu irmão, Tim e, desde 2016, faz parte da banda de turnês que acompanha o Fleetwood Mac.

 

Esta digressão sobre a carreira do Crowded House é sempre necessária em termos de Brasil, uma vez que a banda sumiu da vista do grande público ainda no segundo disco, em 1988. De lá pra cá, toda a carreira do grupo, ainda que errática e econômica, passou batida pelos ouvintes médios de música que, sim, conhecem e gostam de “Don’t Dream It’s Over”, mas acham que a banda é uma espécie de “one hit wonder”, apenas com este sucesso. É uma pena. O Crowded House é uma dessas formações que não têm disco ruim, que souberam evoluir da fértil cena do pós-punk da Oceania, na qual havia também no Split Enz (banda de Tim Finn, irmão de Neil), criando uma sonoridade que é totalmente tributária dos Beatles e outras boas bandas dos anos 1970/80, hoje obscuras, como o 10cc e o XTC, por exemplo. As sonoridades propostas são sempre melodiosas e harmônicas, mas sempre com o germe da inventividade, com o talhe autoral de Finn e sua inclinação para visitar os aspectos mais inquietantes da obra de gente como Paul McCartney e Elvis Costello. O resultado é um pop complexo, belo, literato e, desde que os filhos assumiram posições na banda, totalmente sintonizado com o que há de melhor possível no campo mais acessível do rock.

 

Este “Gravity Stairs” vem falando sobre o passar do tempo, a chegada da velhice e outras reflexões do gênero. É notável ver como a atual formação do Crowded House ganhou em coesão de confiança do último álbum, “Dreamers Are Waiting” (2021) pra cá e olha que este trabalho anterior já era bem bonito. As melodias e, sobretudo os arranjos, são intrincados, cheios de surpresas e imprevisibilidades, dando à audição das onze faixas uma aura de expectativa e curiosidade. Não tem banalidade por aqui, até mesmo as canções mais simples e objetivas têm atrativos e passagens interessantes em sua estrutura. Falando nisso, talvez apenas os singles “Teenage Summer” e “Oh Hi” possam ser chamados de “simples”, porque o restante do álbum apresenta um verdadeiro caleidoscópio sonoro, que vai surpreender aquele sujeito que caiu de para-quedas, achando que estará diante de algo como “Don’t Dream It’s Over” ou algo assim.

 

Há três canções simplesmente maravilhosas. “Magic Piano”, que abre o disco, tem um arranjo que parece existir em diversas dimensões simultaneamente. Ela é muito parecida com uma balada mccartneyana mais rebuscada, oitentista, mas tem complexidades próprias, um refrão que acaricia os ouvidos e uma aura beatle clássica pairando em algum lugar. “Some Greater Plan (For Grace)” é de uma beleza derramada, cheia de bandolins belíssimos no arranjo, que adornam uma melodia romântica sem ser piegas, com a voz de Neil Finn dobrando com o filho Liam, num efeito que alternata decisão com fragilidade. A lindeza é tamanha que a gente chega a perder a noção de que ano está. “Thirsty” é a terceira dessa liga especial de faixas perfeitas. O arranjo alterna violões, guitarras e um baixo grave, tudo mixado como se fosse uma canção folk pop mais ou menos convencional, mas o uso de sintetizadores e detalhes como os falsetes do refrão, vão povoando a canção até seu final.

 

“Gravity Stairs” é um disco lindo, que exige atenção do ouvinte. Ouvir suas onze faixas com atenção é certeza de recompensa total e múltiplas visões de detalhes e adornos que fazem do Crowded House uma das poucas bandas em atividade que entende seu trabalho como uma delicada peça de artesania. Lindo.

 

 

Ouça primeiro: “Thirsty”, “Magic Piano”, “Some Greater Plan (For Grace)”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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