A renascença do Placebo

 

 

 

Placebo – Never Let Me Go

Gênero: Rock alternativo

Duração: 57:42 min
Faixas: 13
Produção: Brian Molko e Stefan Oldsdal
Gravadora: Elevator Lady

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Meu entusiasmo quando vi que o Placebo havia lançado um novo álbum não foi dos maiores. A banda é – ou foi – interessante e tem um público fiel e Brian Molko, vocalista e guitarrista, é – ou foi – um bom frontman. Mas, confesso, desde o segundo disco, “Without You I’m Nothing”, do longínquo ano de 1998, que a banda me diz bem pouco em termos de canções e álbuns. Eu ouvi todos os oito trabalhos anteriores e até simpatizei com “Meds” (2006) e “Louder Than Love” (2013), mas, repito, era – ou é – pouco. Minha preguiça, no entanto, já vinha sendo abalada desde que ouvi o single “Beautiful James”, o primeiro deste novíssimo “Never Let Me Go” e o restante do álbum, lançado ontem, confirmou esta impressão: é o melhor trabalho do Placebo desde 1998, talvez seja o melhor disco que o grupo lança. Aliás, “grupo” é uma força de expressão”, uma vez que Brian Molko e o guitarrista Stefan Oldsdal são os únicos remanescentes das encarnações anteriores, mas, por outro lado, foram eles os cérebros pensantes do grupo desde sempre. Sendo assim, vamos dissecar este bom álbum de rock moderno.

 

É importante dizer que o pop e os estilos derivados passam por constante mudança, logo, é necessário entender que “Never Let Me Down”, apesar de ter inspiração lá nos anos 1990 e 1970, soa moderninho, precisa soar moderninho, algo que a própria banda se cobra e a crítica leva em conta. Além disso, se há qualquer pretensão em conquistar novos simpatizantes, não dá pra lançar um trabalho que apenas se limite a reproduzir sonoridades já feitas e ao alcance de todos. Ok, cabe um exercício de estilo aqui, outro ali, mas é preciso dosar. Sendo assim, o Placebo de 2022 tem essa certeza e a coloca em prática. Não que a banda seja derivativa, mas sua origem é tão inegavelmente noventista que é preciso ter cuidado. O reprocessamento de informações como The Cure, David Bowie, Depece Mode e até Nine Inch Nails é muito bem feito, a ponto de sentirmos a presença dessas bandas em várias passagens, mas também percebermos que o Placebo conseguiu se apropriar de tudo isso com naturalidade, fazendo “Never Let Me Down” soar original e agradável. Molko continua com seu vocal derramado, mas, devidamente marcado pela passagem do tempo, algo que também respingou nas letras. Se antes, há uns 20 anos, o Placebo era porta-voz de uma espécie interessante de hedonismo niilista – por mais absurdo que o termo seja – que parece transformado apenas em niilismo, temperado por certas doses de pÂnico e isolamento.

 

Esta noção de tempo transcorrido é essencial para a banda ter charme hoje. Quem a acompanha desde os primeiros passos e envelheceu/amadureceu com eles – são 26 anos de carreira – certamente irá se identificar com as reflexões de Molko e Oldsdal. Aliás, as guitarras e sintetizadores seguem em primeiro plano, com ótimos climas e camadas de sons, que temperam a crueza das melodias. Aliás, a proporção de ótimas músicas no álbum é muito grande, o que confirma a dupla como uma das boas parcerias do rock nos últimos tempos. Algumas faixas são inesperadas surpresas, como a ótima “The Prodigal”, que tem um arranjo de cordas e soa como uma espécie de canção ressuscitada pelo tempo e pelas circunstâncias. A melodia é bela, os vocais estão no ponto e tudo funciona nela. A já citada “Beautiful James”, que antecipou o disco, é uma típica canção do Placebo, mas devidamente forjada com a marca de 2022, com tensão e drama nas letras e vocais, sobre camadas de guitarras e synths, tudo muito bonito.

 

Outras belezuras surgem ao longo do percurso. “Try Better Next Time” é uma porrada, bela e discreta ao início e dramática e explosiva no refrão, com ótima presença da guitarra de Oldsdal. O “silêncio-barulho” presente nela é uma das marcas mais notórias dos anos 1990 e isso não precisou de atualização, a ponto de soar absolutamente natural em meio ao todo. “Twin Demons” é outra pequena maravilha, rápida e dinâmica, lembra um pouco minha canção favorita da banda, “You Don’t Care About Us”, mas tem algo novo, inesperado, talvez, seja na mudança de andamento e nas surpresas melódicas, seja novamente nas guitarras que surgem de várias direções. Neste caso, o clima de caos é controlado pela dinâmica dos vocais, mas há muitos detalhes presentes, o que recomenda a audição com um bom fone de ouvido.

 

“Never Let Me Down” é um belo disco de rock, que alia tradição e modernidade de um jeito natural. Ele também marca o ressurgimento de uma banda após um hiato de nove anos sem lançar material inédito e que parece ter passado por uma bela faxina lírica e musical. Gostei do que ouvi e espero o novo disco com interesse renovado.

 

 

Ouça primeiro: “Twin Demons”, “Try Better Nex Time”, “The Prodigal”, “Beautiful James”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “A renascença do Placebo

  • 13 de dezembro de 2022 em 14:31
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    Gostei muito da crítica, mesmo discordando em alguns aspectos, mas isso é coisa de fã… A propósito, é Neve Let Me Go e não Never Let Me Down como escrito 3x no texto…

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  • 12 de abril de 2022 em 23:55
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    Melhor crítica que li (tanto nacionais como internacionais). Avaliação precisa. Colocou de maneira simples o que senti ao ouvir o disco.

    Resposta

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