Nada pode parar Lô Borges

 

 

Lô Borges – Chama Viva

Gênero: Rock, folk

Duração: 37 min
Faixas: 10
Produção: Lô Borges, Henrique Matheus e Thiago Corrêa
Gravadora: Deck

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Sabem o que Lô Borges esteve fazendo nos últimos quatro anos? Eu respondo: compondo canções, gravando e lançando álbuns. Que artista no mundo tem essa média? E não foram álbuns banais, pelo contrário. Dá pra dizer que Lô encontrou uma sonoridade própria e moderna, que ele consegue levar adiante, com coerência e muita propriedade, aproximando-o de artistas que honram a linhagem do folk rock. Não que Lô não faça este tipo de som desde que começou, há exatos 50 anos, mas é que ele conseguiu – a partir dos anos 2000 – encontrar um meio seguro e fluente de atualizar esta sonoridade, levando-a consigo e, no meio do caminho, honrando suas raízes mineiras do mundo. No fim das contas, tudo soa muito fluido e natural. Assim foi com “Rio da Lua” (2019), “Dínamo” (2020), “Muito Além do Fim” (2021) e agora, com “Chama Viva”. Mas, dentre toda essa rotina de manter-se atual e relevante, Lô ainda não tinha ousado esteticamente e isso acontece neste novo álbum, que soa um tanto diferente, com ênfase em arranjos que privilegiam teclados e órgãos, sem falar nos convidados e na parceria com a escritora Patrícia Maês, que co-assina todas as canções de “Chama Viva”.

 

Falamos de convidados, certo? Afinal de contas, este é um álbum que tem seu lançamento exatos 50 anos depois dos marcos iniciais da carreira de Lô: o “Clube da Esquina”, gravado com Milton Nascimento e mais um timaço de músicos que orbitavam suas trajetórias à época e o “Disco do Tênis”, que trouxe Lô como um artista solo, aos 20 anos, cheio de banca por conta do “Clube”. O disco tornou-se um clássico cult, mas deu ao jovem cantor e compositor a certeza de que precisava de mais tempo para maturar música e ideias. Ele só voltaria a gravar em 1979, com o ótimo “A Via Láctea”, talvez seu melhor trabalho até hoje. O fato é que Lô traz para “Chama Viva” as presenças de Milton Nascimento e Beto Guedes, reeditando encontros e parcerias que são bem raras hoje em dia. Além deles, Patrícia participa de um dueto simpático e Paulinho Moska, cantor e compositor com carreira bem interessante, também aparece em outra canção. Como dissemos, tudo isso dá ao álbum um verniz, um jeitão de novidade como há um bom tempo não de ouve de Lô.

 

Sobre as composições o próprio Lô declarou que elas foram fruto de um movimento intenso de sua parte, com sete delas surgindo num período de sete dias consecutivos, no qual ele experimentou o órgão como instrumento para burilar as melodias. Tal detalhe explica a alteração na sonoridade e o tal sentimento de novidade. A ideia de chamar Patrícia veio naturalmente, segundo ele. “Convidei a talentosa escritora, compositora e parceira musical de longa data, a paulistana Patricia Maês para fazer esse mergulho comigo. Ela aceitou o convite e escreveu dez letras inspiradas e incríveis! Obrigado amiga!”. De fato, deixar as letras todas a cargo de uma só pessoa dá a “Chama Viva” um tom de álbum dividido, o que é bem justo dizer. As presenças dos convidados realçam algumas canções. Em “Veleiro”, a voz – já castigada pelo tempo, mas ainda belíssima – de Milton Nascimento confere aquele clima sacro que sabemos bem como é. Guitarras com efeito e os teclados antecedem a chegada da voz, que surge em dobro com Lô. Tudo é bem bonito.

 

A própria Patrícia surge cantando em “Desabrochando Flor”, uma beleza de canção que recupera o clima de vida amistosa e amorosa em alguma cidade menor e mais gentil que as metrópoles do mundo. Beto Guedes dá um tom mais melancólico a “Primeira Lição”, uma canção que poderia estar num de seus álbuns mais recentes. Ouvir as vozes dos dois – Alberto e Salomão – é sempre uma experiência afetuosa. “Fica No Ar”, que tem Paulinho Moska, é tipicamente uma canção moderna de Lô, com os ganchos melódicos que só ele parece capaz de burilar. Ainda tem um tom meio country que joga a favor do arranjo. Mesmo assim, as canções mais belas presentes do álbum só trazem a voz de Lô, a psicodélica e sacra “Outro Verão”, que se vale muito do uso do órgão no arranjo e “Ascender”, esta com uma melodia lenta, cinematográfica, lembrando algo que poderia ter acontecido num álbum setentista de Lô, mas que jamais aconteceu de fato. Fechando o álbum, a ótima “Chama Viva da Canção”, dinâmica e cheia de entrelaces de guitarras e teclados.

 

“Chama Viva” é um disco belo e ousado deste impressionante Lô Borges, que produz e grava compulsivamente belas canções, talvez como forma de manter-se vivo, são e pronto para a chegada deste tempo mais gentil que ele sempre esperou. Quem sabe? Discão obrigatório.

 

Ouça primeiro: “Ascender”, “Outro Verão”, “Veleiro”, “Desabrochando Flor”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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