O panamericano Josh Rouse

 

 

 

 

Josh Rouse – Going Places
32′, 10 faixas
(Yep Roc)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

“Going Places” é, provavelmente, o disco que os fãs de Josh Rouse esperavam ouvir desde meados da década de 2000. E, falando assim, é curioso pensar que a carreira do nativo de Nebraska já arranha os 25 anos. E a expectativa dos admiradores de seu trabalho por um álbum como este se explica: Josh vive na Espanha desde o fim dos anos 2000. Casou-se com a artista Paz Suay e vive uma vida familiar e tranquila. Ou seja, ele é o que os americanos chamam de “expat”, vive longe de casa, bem e tranquilo. Sua música recebeu os impactos desta mudança e isto coincidiu com um desejo – natural – de experimentação e modificação de seu belo pop rock original, praticado até, vejamos, o álbum “Subtitulo”, de 2006. Fazendo as contas, desde esse período, Josh não realizava um trabalho tão conciso e bem acabado como “Going Places”. Não só por ter reencontrado uma forma mais simples de expressão musical – equivalente à que tinha no início da carreira – mas por ter uma excepcional fornada de novas canções. Tudo aqui brilha suavemente, como o por do sol no Mediterrâneo (clichê jornalístico detectado).

 

Produzido e gravado em casa durante a pandemia, o álbum mostra um cantor e compositor já lidando com adjetivos como “veterano” e isso não parece afetá-lo de jeito algum. Josh é mestre no que faz – este pop rock arejado, com influências soul, funk e um apreço pela melodia. Aliás, seja em qualquer momento de sua carreira, este apreço não se perdeu. As dez canções que integram o álbum são pequenos milagres melódicos, arranjadas com muitos violões, teclados e guitarras, sem qualquer vontade de usar timbres diferentes. Parece que este tipo de música é o que basta para ele e para os integrantes de sua banda, todos espanhóis. Ainda que seja um álbum totalmente impregnado pela vida pacata que leva no país ibérico, “Going Places” é muito americano em sua sonoridade, mas Josh parece, finalmente, ter encontrado o equilíbrio entre sua musicalidade original e a torrente de novas informações que passou a absorver. E o resultado é ótimo.

 

 

Falando em banda de acompanhamento, a ideia para o álbum nasceu da vontade de compor duas ou três canções que alguns de seus músicos pudessem usar como trilha sonora no bar que construíram. Como podemos ver, o resultado extrapolou as expectativas e virou um registro brilhante deste tempo pandêmico que nos afetou a todos. Ouvindo as faixas de “Going Places”, temos a certeza de que tudo aqui foi feito com muito carinho. As melodias são brandas, fluidas, tudo funciona muito bem. Logo de cara, “Apple Of My Eye” apresenta uma levada pop soul de primeira linha, com um leve toque latino nas percussões discretíssimas, num pequeno e gentil rodamoinho de violões e guitarras dedilhados, com metais fazendo cama. “City Dog” é outra lindeza absoluta, totalmente inserida no que Josh poderia ter feito lá em 2000, 2002. Melodia, bom arranjo e ótimo uso da guitarra como um instrumento rítmico.

 

 

A melhor canção do álbum chega logo depois, a belíssima, perfeita, irretocável “Herny Miller’s Flat”, que tem a riqueza melódica necessária para se inserir num dos clássicos da carreira do homem. O arranjo é perfeito, detalhes de teclados e metais estão por todo canto, numa lindeza ensolarada. E “Hollow Moon” é outra dessas canções clássicas de Josh, que poderia ter saído do ótimo álbum “Under The Cold Blue Stars”, lá de 2002. A ótima “Waitinge On The Blue” também pode ser inserida nesse mesmo contexto, num arranjo que tangencia o alt country que Josh chegou praticar no início da carreira. “Shel’s In LA” talvez seja a canção menos interessante aqui, abusando de uma levada lenta e intencionalmente preguiçosa e de uma melodia monótona, mas sendo totalmente compensada pela exuberante “There’s Somebody Whose Job It Is”, que brilha com força dentro do uso das guitarras e do teclado, sempre com discrição e bom senso. “The Lonely Postman” tem um arranjo que lembra os primeiros trabalhos de Marshal Crenshaw, com uma certa latinidade rock’n’roll sessentista que dá gosto de ouvir. Fechando os trabalhos estão a bela e saudosa “Indian Summer”, envolta numa aura de lembrança e nostalgia e a ótima “Stick Around”, outro exemplo de bom uso de guitarras e harmonias.

 

 

Josh Rouse é um baita artista. Discreto, privilégio de um público fiel, ele faz a gente desejar um mundo mais justo e diferente, no qual suas canções seriam sucessos globais e lhe trariam muita fama e fortuna. Mas, pensando bem, ele parece bem feliz exatamente do jeito que está. Discaço.

 

 

Ouça primeiro: “Apple Of My Eye”, “City Dog”, “Henry Miller’s Flat”, “Waiting On The Blue”, “Stick Around”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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