Silva retorna à música autoral em “Encantado”
Silva – Encantado
41′, 16 faixas
(Som Livre)
Silva retornou à música autoral e à Som Livre, gravadora que o projetou há doze anos, com seu disco de estreia, “Claridão”. Ao longo deste tempo, o cantor e compositor capixaba, que soava promissor e cheio de talento, transformou-se em um artista diferente do que poderíamos supor a partir das faixas do primeiro álbum. No meio do caminho, Silva optou por deixar de lado as tonalidades indie melancólicas que o representaram, especialmente nos dois primeiros trabalhos, para surgir interpretando o cancioneiro de Marisa Monte em seu disco de 2016, “Silva Canta Marisa”. De fato, essa escolha lhe deu projeção nacional, o apresentou para um público que dificilmente teria contato com seu trabalho e, já no disco seguinte, “Brasileiro”, de 2018, ele já fazia colaborações com Anitta e, em 2019, lançava o primeiro “Bloco do Silva Ao Vivo”, um compêndio de canções de carnaval gravadas com arranjos superficiais, com um resultado particularmente decepcionante. De lá pra cá, ele vem se equilibrando entre esses registros ultrapopulares, com colaborações com Ivete Sangalo e Ludmila, e tentativas de exercer uma musicalidade, digamos, mais introspectiva. “Encantado”, seu novo disco, tenta acenar para esta parcela, digamos, mais introvertida.
Para gravar o álbum, Silva controu com a participação de vários convidados. Da cantora portuguesa Carminho e o maestro Arthur Verocai, passando pelo inevitável Marcos Valle, chegando ao uruguaio Jorge Drexler e até a dama do samba, Leci Brandão. A gente já conhece esse movimento – é um mix de fiança artística, com a anuência de gente tão talentosa e diversa “dizendo sim” para a obra de Silva e uma demonstração de versatilidade do cantor e compositor. Ao longo dos álbuns, tanto os mais interessantes, quando os mais supérfluos, Silva soube absorver influências e incorporar referências. De fato, sua música evoluiu e fala vários idiomas, mas, de alguma forma, ele parece descompassado quando a necessidade de fazer arranjos mais expansivos, maiores, de grandes espaços. Nada a ver com o axé-indie dos discos de carnaval, tampouco com as incorporações de funk rasteiras aqui e ali em seus trabalhos mais recentes. Silva ainda exibe os cacoetes de um cantor frágil, de voz pequena, sussurrada, que tenta incorporar elementos de sensualidade em suas letras, mas que soa tímido, limitado. É uma equação que não fecha. E olha que ele e seu irmão, Lucas Silva, são dois bons compositores.
Como dissemos, Silva tem a noção da boa composição. Ele dá a prova em momentos esparsos ao longo das faixas de “Encantado”. Em “Girassóis”, ele conta com o arranjo de Arthur Verocai, e isso faz toda a diferença. As cordas, os metais e sopros soam como lufadas de vento ao longo da canção e casa bem com a voz pequena de Silva, num bom aceno à música brasileira setentista mais obscura. Em “Já Era”, ele canta sobre um fim de relacionamento “já era, eu entendi, você falou, tá falado” com uma levada funk light teores, com bom uso dos teclados, lembrando um pouco de seus primeiros trabalhos. E tem a ótima “Gosto de Você”, eletroacústica, com um interessante beat que tangencia o rap, mas com um arranjo mais abrangente, em que há espaço para guitarras e beats eletrônicos. No fim, um sample de funk da Jaula das Gostusudas tá o tom exótico e surpreendente, mas que cai bem no resultado final, soando natural, sem o peso da invencionice à toda prova. E a vinheta “Motivo”, como se fosse um gotejar de piano, também é bela.
Outros momentos do álbum são legais, mas poderiam ser melhores. A colaboração com Carminho em “Carmesim” é pungente, muito mais pelo canto da intérprete portuguesa, que engole o frágil registro de Silva, mostrando o desequilíbrio que permeia a maior parte do álbum. Em “Recomenzar”, com Jorge Drexler, os vocais meio boca-mole dão o tom em uma melodia qualquer nota, com refrão irritante, soando muito aquém do que o venerável uruguaio pode entregar. Marcos Valle, que colabora com Silva em “Copo D´agua” também está em piloto automático, pouco acrescentando ao resultado final da canção, que também soa esquecível. E há os momentos ruins, bem ruins, como a pretensiosa “Risquei Você”, que tem letra mencionando Demóstenes, Rio Ganges, um monte de referências “poéticas” supostamente profundas, para soar erudito de uma forma artificial. Tem a monotonia de “A Vida É Triste Mas Não Precisa Ser”, a pouca inspiração da colaboração com Leci Brandão, “Amanhã de Manhã”, a chatice contemplativa de “Arrebol” e outra canção boca mole, dessa vez em inglês, a chatíssima “Mad Machine”.
“Encantado” poderia ser um bom disco, mas é apenas um trabalho em que Silva tenta se achar em meio às personas que criou para si mesmo. Aqui não tem o folião indie, mas tem um sujeito em busca de afirmação e rumo, oferecendo algumas poucas boas canções no meio do processo. Ainda acho que ele pode mais que isso, mas o crédito está quase no limite.
Ouça primeiro: “Motivo”, “Gosto de Você”, “Já Era”, “Girassois”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.