Beyoncé Adere ao Revival do Pop 80/90

 

 

 

Beyonce – Rennaisance
62′, 16 faixas
(Sony)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

O sétimo álbum de Beyoncé já estava nas redes dois dias antes do lançamento, hoje, dia 29 de julho. A cantora americana fez uma declaração agradecendo aos fãs que, mesmo com as canções disponíveis para audição pela Internet afora, resistiram a tentação. “Então, o álbum vazou e vocês realmente esperaram até o momento de lançamento apropriado para que todos pudessem curtir juntos”. E ela continua: “Nunca vi nada parecido. Não tenho como agradecer o suficiente por seu amor e proteção. Agradeço por chamar a atenção de quem estava tentando entrar no clube mais cedo. Significa o mundo para mim”. Pois bem, certamente Beyoncé não é a primeira e nem será a última artista a ter este tipo de problema, o fato é que, “Renaissance” já gerava uma enorme expectativa, não só entre fãs da cantora, mas entre todo mundo que pensa e reflete sobre música popular. O impacto de um lançamento de uma empresa como Beyoncé – sim, ela é uma empresa, no sentido estrito do termo – é muito grande e a mídia, formadores de opinião e público em geral, já não viam nada novo da “Queen Bee” desde a trilha sonora da versão live action de “O Rei Leão”, que, cá entre nós, era totalmente desnecessária, e desde a turnê conjunta com o marido e produtor, Jay-Z. Ao longo da “On The Run II Tour”, o casal faturou US$ 253,5 milhões (cerca de R$ 936,91 milhões, segundo dados da Billboard Boxscore. Que tal?

 

Mas, tudo bem, aqui está o álbum. Minha intenção nesta resenha é falar apenas da música. Sinceramente, não estamos muito interessados em visual, clipes, coreografias e demais canais extra-música que caracteriza os empreendimentos sonoros de Beyoncé há uns quinze anos. Sabemos que ela canta muito bem, que tem um tino raro para perceber mudanças e nuances na indústria e que, acima de tudo, é uma artista inquieta, ainda que não pareça para quem está de fora. Ela experimenta, ousa, incorpora elementos sonoros e, com este novo álbum, não é diferente, pelo contrário. Beyoncé é esperta o bastante para sacar que há um revival no pop planetário que tem seu alvo na virada das décadas 1980/1990, mirando naquele popão maravilhoso, meio house, meio rap, meio eletrônico, que surgiu naquele recorte de tempo. Mesmo assim, ela chega meio atrasada a este revival, outras cantoras, como Charli XCX e Dua Lipa, só para citar duas artistas bem populares, mas “menores” que Beyoncé, já estão lá há tempos. Mas, como estamos falando de Beyoncé, “Renaissance” não é apenas um disco revivalista, tem outros detalhes e camadas. Vamos a eles.

 

É preciso que se diga que há algumas canções realmente boas no álbum. Segundo consta, ele é a primeira parte de uma trilogia, que Beyoncé lançará gradativamente, ao longo do segundo semestre e início de 2023. E ele é, a exemplo do que fizeram muitos outros artistas, um álbum concebido e gravado na pandemia da covid-19. A tal referência ao pop oitentista/noventista começa sutil. A primeira canção, “I’m That Girl”, não revela nada, pelo contrário, investe mais no pop vigente e sem muita novidade. “Cozy”, logo em seguida, já começa a entregar o outro, com um groove muito bem pensado, que, sim pega emprestadas linhas de house music de um jeito muito sutil, como se colocasse os originais em câmera lenta. A batida é ótima e já deixa o ouvinte animado com o que pode vir. E não há qualquer decepção quando chega a ótima “Alien Superstar”, uma verdadeira porrada, com hibridismo de influências que funcionam muito bem. É bacana como Beyoncé consegue mostrar talento vocal em canções que nem exigiriam tanto dela neste sentido. O groove aponta para alguma pitada afrobeat, mas diluída neste caldeirão pop vintage 80/90. E o que dizer que “Cuff It”? Parece uma canção do Jackson 5 revisitada com respeito e reverência, com um resultado praticamente perfeito.

 

“Energy”, é uma das canções que estão mais para o presente do que para a reverência/reinterpretação do passado pop. Não deixa de ser legal por isso, mas perde um pouco em relação às outras, como, por exemplo, em relação ao single “Break My Soul”, que usa sample de “Show Me Love”, de Robin S, lançada em 1993. Segundo algumas opiniões, há quam diga que esta é uma canção que fala sobre a opressão dos trabalhadores americanos diante do pós-pandemia. Pode ser, Beyoncé tem um viés político que não pode ser ignorado. “Church Girl”, ao contrário do que parece, está longe de ser uma canção gospel. É outra das que estão mais centradas no presente, com um groove sinuoso e boa performanece vocal da moça. “Plastic Off The Sofa” é outra canção que mira o passado, mas, como “Cuff It”, ela está em algum ponto do início dos anos 1980, ensolarada e fofa, não seria estranho vê-la num álbum do DeBarge, por exemplo. E tome mais batidão desacelerado em “Virgo’s Groove”, cheia de – sem trocadilho – groove e uma ótima ambiência pop soul classuda, contrário da contemporaneidade de “Move”, que é próxima do hip hop atual, cheia de vocais rap e batidas quebradas, algo que também acontece na canção seguinte, “Heated”. “Thique” seria mais do mesmo se não tivesse uma decisiva mudança de andamento a partir de sua metade, que faz toda a diferença, enxertando mais riqueza vocal e novas camadas de sintetizadores.

 

Beyoncé prepara o final de “Renaissance” com quatro canções bem diferentes. “All Up In Your Mind” talvez seja uma das mais esquecíveis do álbum, especialmente colocada ao lado de “America Has A Problem”, que vem logo em seguida e que vai lá no Miami Bass do fim dos anos 1980 pegar emprestado o andamento de batidão carioca, ainda que pudesse ter mais ênfase no groove, mas ela prepara o espírito do ouvinte para as duas ótimas canções de encerramento: “Pure/Honey”, cheia de mudanças de batidas e ambiências e a ótima, exuberante, “Summer Renaissance”, que encerra os trabalhos com o astral lá em cima, em meio a vocais muito bem gravados e uma ótima celebração de verão.

 

“Renaissance” seria praticamente perfeito se fosse integralmente dedicado a esta revisita do pop de três décadas atrás, especialmente porque a produção – a cargo de Jay-Z e um monte de colaboradores – soube reinterpretar essas batidas e climas, tornando tudo praticamente novo. Em termos de pop atual, no entanto, depois que Rosalia lançou seu “Motomami”, tudo ficou meio datado e sem sentido. Beyoncé tem manha para driblar isso e se sair bem. Que venham os outros atos de “Renaissance”.

 

Ouça primeiro: “Alien Superstar”, “Cuff It”, “Plastic Off The Sofa”, “Summer Renaissance”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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