DIIV restaurando meu interesse no rock

 

 

DIIV – Frog In Boiling Water
43′, 10 faixas
(Concord)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

 

Quem me lê aqui ou nas redes sociais sabe que há tempos perdi minha paciência para com o rock. Claro que esta afirmação não contempla todo o espectro do estilo, e sim aquele que chega à maioria, ao mainstream, mas, de uma maneira geral, rock se tornou sinônimo de bundamolice total, mesmice inaceitável, uma sonoridade que atrai ouvintes cada vez menos interessados ou interessantes, justo porque produz bandas e artistas que não parecem capazes de levar o estilo adiante no tempo. Tudo parece datado, perdido em encruzilhadas manjadas, esgotadas. Até que ouvi o DIIV. Tudo bem, o que o quarteto americano faz tem origem em dois estilos dos anos 1980/90, a saber, o shoegaze e o grunge, mas, a maneira como aborda tais referências, a verdade que as canções transmitem e os arranjos, que soam entre o fim do mundo e o pós-fim do mundo, me cativaram e chamaram minha atenção. Tudo tem um clima soturno, mas belíssimo, fruto de uma musicalidade que parece fundir o “Acústico” do Alice In Chains com alguma gravação do My Bloody Valentine. O que sai das caixas de som é, bem, pesado e etéreo ao longo das faixas que compõem este ótimo “Frog In Boiling Water”, quarto álbum do grupo.

 

Nascido em 2011 das brumas do Brooklyn, em Nova York, o DIIV (pronunciada como “dive”) rapidamente se estabeleceu como um dos principais nomes do revival do shoegaze e do dream pop na década de 2010. Liderado pelo multi-instrumentista Zachary Cole Smith, o grupo inicialmente era seu projeto solo (Smith também é baterista do Beach Fossils), mas logo se transformou em um quarteto com a entrada de Andrew Bailey (guitarra), Colin Caulfield (baixo, teclados) e Ben Newman (bateria). Em 2012, lançaram seu álbum de estreia, “Oshin”, aclamado pela crítica por suas melodias etéreas, guitarras distorcidas e vocais melancólicos. Este primeiro trabalho gerou uma turnê extenuante que levou o DIIV a palcos internacionais e consolidou sua base de fãs. Em 2016, lançaram seu segundo álbum, “Is The Is Are”, que explorou temas mais sombrios e introspectivos, especialmente a dependência química de Smith, resolvida na chamada bacia das almas. Essa barra pesada de drogas e os desentimentos entre os integrantes manteve o DIIV a ponto de encerrar atividades, no fim daquele ano e o aprofundamento dessa crise tornou tudo mais difícil. Mas a banda se manteve firme, começou a produzir canções e gravou o terceiro álbum, “Deceiver”, em 2019. De lá para cá, o DIIV encontrou um ritmo próprio, que veio dar neste ótimo “Frog In Boiling Water”, que somatiza experiências da pandemia e da recente paternidade de Smith.

 

Não espanta, portanto, que o DIIV entregue aqui o seu trabalho mais complexo, no qual as letras reflitam as porradas constantes da vida, concluindo que muito disso tem a ver como o modo de vida que levamos – neoliberalismo, sistema, lógicas perversas, superficialidade. O clima que as canções exalam é de uma melancolia palpável, mas nenhuma delas é “triste”, no sentido objetivo do termo. Elas evocam paisagens, sensações e as convertem nos efeitos de guitarras, nos timbres, nas batidas hipnóticas da bateria e nos andamentos, que oscilam entre o midtempo e o lento, fazendo o ouvinte refletir sobre o que ele entende como “pesado”. Certamente as composições aqui são pesadíssimas, sem que haja o ataque violento das guitarras ou uma batida marcial de bateria, pelo contrário, tudo aqui é sutil, mas pungente, e muito, muito belo. Os vocais de Smith, sussurrados e soterrados, conduzem o ouvinte por letras que atacam o sistema, pedem por privacidade e olham com pessimismo para um futuro que nos dá medo, motivo pelo qual o mesmo sistema achou um meio de nos manter no presente. Tudo é natural por aqui.

 

A coesão das faixas em “Frog In Boiling Water” é impressionante. Elas soam como um blocão de quarenta e poucos minutos, arremessado no rosto do ouvinte. A belezura é plena o tempo todo, mas dá pra destacar alguns momentos impressionantes. “Brown Paper Bag”, o primeiro single do álbum, tem Smith reduzindo a importância de sua própria vida à de um “saco de papel” jogado no chão. É como se ele fosse atropelado por um rolo compressor gigantesco e tivesse permanecido para ver seu próprio fim. Em “Raining On My Pillow”, uma história de amor e drogas é retratada e a melodia, de alguma forma, soa familiar, talvez parecendo com alguma canção que o Nirvana gravaria num metaverso no qual é uma banda de shoegaze. “Soul.Net” é talvez o melhor momento do disco, no qual o arranjo proporciona uma batida monótona de bateria, que serve de sustentação para camadas e mais camadas de guitarras que vão emoldurar um inventário de cicatrizes e revezes, que servem como credenciais diante da vida. O fecho, com a impressionante “Fender On The Freeway”, adquire tinturar post-rock em meio a um dedilhado de guitarra belíssimo, engatando num ritmo torto, no qual os vocais sussurrados de Smith vão pedir por silêncio, paz e tranquilidade num mundo a sós. Sem ninguém.

 

“Frog In Boiling Water” é uma porrada. Não é alegre, não é fofinho, não é o sorriso do Dave Grohl, pelo contrário. É música de sombra, mas muito, muito bonito. Das coisas mais interessantes na atualidade do rock que importa. Ouça. E prepare-se.

 

Ouça primeiro: “Soul-net”, “Fender On The Freeway”, “Brown Paper Bag”, “In Amber”, “Raining On My Pillow”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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