O ótimo novo álbum de Kacey Musgraves
Kacey Musgraves – Star-Crossed
Gênero: Pop
Duração: 47:32 min.
Faixas: 15
Produção: Ian Fitchuk, Daniel Tashian e Kacey Musgraves
Gravadora: Interscope
Kacey Musgraves é uma dessas artistas que a gente conhece assistindo à cerimônia do Grammy. Ou ao VMA’s. Não por acaso, a moça já venceu seis Grammys, além de sete Prêmios da Country Music Association e outros três da Associação de Country Music (apesar dos nomes parecidos, são duas instituições diferentes). E foi no Grammy de 2018 que ela arrebentou a banca, levando, entre outros cinco, o prêmio de “Disco do Ano” com seu quarto álbum, “Golden Hour”. Este trabalho era sobre a felicidade de ser jovem e talentosa, além de, entre outras coisas, estar amando e casada com o cantor country Ruston Kelly. Mas, acabou-se o que era doce: Kate e Ruston se divorciaram em 2020 e o novo álbum de Kate, “Star-Crossed” é, simplesmente, a crônica desta separação. Se “Golden Hour” era bacana, este novo álbum é muito legal e pode surpreender.
Como vocês já podem perceber, Musgraves é uma artista que tem sua origem musical no terreno da country music, mas um de seus maiores méritos é ter evoluído para uma sonoridade moderna e elegante, que honra as raízes, mas não precisa fazer uso dos símbolos mais manjados. Isso já estava presente no trabalho anterior e desabrocha completamente aqui, a tal ponto que Kate encerra esse feixe de canções com uma surpreendente e emocionante cover de … “Gracias A La Vida”, da compositora chilena Violeta Parra. Além disso, citou gente tão diversa quanto Eagles, Weezer, Sade e … William Shakespeare como influências para a elaboração das composições que estão presentes em “Star-Crossed”. Trata-se de um disco triste e muito elegante em que Kate passeia lindamente por baladas pop tristonhas, muito bem produzidas por ela e pela dupla Ian Fitchuk e Daniel Tashian, que a acompanha desde 2018.
Musgraves já dava sinal de que viria diferente em seu próximo trabalho. Surgiu participando do álbum do Flaming Lips, “American Head”, no meio do ano passado e aprofundou este laço com os sons alternativos americanos em algumas canções de “Star-Crossed”, sempre de forma muito sutil, caso, por exemplo, da bela “Cherry Blossom”, da fleetwoodmáquica “There’s A Light” ou da fofa “Keep Lookin’ Up”. É, no entanto, quando está no terreno das baladas que Musgrave e seus produtores se saem melhor. Eles têm a manha para revestir as canções com arranjos belos, calcados em sintetizadores que são usados para fazer as paisagens sonoras mais sutis, deixando espaço para batidas, violões e vocais, obtendo um resultado esparso e de muito bom gosto. Há algum tratamento na voz de Musgraves, mas não chega a incomodar.
As duas primeiras canções, “Star-Crossed” e “Good Wife”, mostram os dois lados da moeda que é atirada ao ar pelo destino quando falamos do fim de um relacionamento. Sonhos, expectativas e resultados, tudo misturado num rocambole emocional confuso e de sabor estranho. Kate passeia pelas letras – de sua autoria – com tristeza e senso de sobrevivência e se sai bem. Depois delas, a porteira de canções está aberta e temos alguns belos exemplos de pop atual e interessante. “Simple Times” tem cara de balada oitentista clássica, daquelas de FM, bem moldada e pensada, com tecladinho e tudo. “If This Was A Movie” tem teclados e vozes que lembram, ao mesmo tempo, uma faixa perdida do PM Dawn, algo que poderia ser feito tanto por Sade em “Stronger Than Pride” quanto pelo 10cc em algum ponto do fim dos anos 1970. E o final é, de fato, surpreendente, com uma “Gracias A La Vida” em espanhol dedicado e interpretação pungente, num arranjo de violão e voz que tenta ser fiel às gravações mais antigas. Funciona como uma linda homenagem e num serviço de apresentação da obra de Violeta Parra a uma legião de fãs novinhos e novinhas.
“Star-Crossed” é um desses produtos feitos em larga escala que primam pela música. Não há truques nem marketing em excesso. É só uma menina de trinta e poucos anos exorcizando seus demônios e arrependimentos, criando casca com isso. Quem nunca?
Ouça primeiro: “Star-Crossed”, “Good Wife”, “If This Was A Movie”, “Gracias A La Vida”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.