Robson Jorge: um tesouro do soul brasileiro está online

 

 

 

“Tim Maia”, de 1976. “Cuban Soul 18 Kilates”, de 1976. “Nesse Inverno”, de 1977. “Di Melo”, de 1975. “Copacabana Sadia”, de 1982. “África Brasil”, de 1975, “União Black”, de 1976 e “Maria Fumaça”, de 1977. Estes são alguns exemplos de álbuns sensacionais de artistas brasileiros estão disponíveis nos tocadores de streaming. Estas obras de, respectivamente, Tim Maia, Cassiano, Tony Bizarro, Di Melo, Junior Mendes, Jorge Ben, União Black e Banda Black Rio são bem representativas dentro do que se chamou de “soul brasileiro”, um estilo que tem informações tanto da música black norte-americana daquele tempo, quanto do romantismo tipicamente brasileiro que, uma vez herdado de boleros, sambas-canção e congêneres, habitava o inconsciente coletivo, auditivo e criativo. Cada um desses artistas – e vários outros que vieram depois – têm peculiaridades que os define e um olhar um pouco mais detalhado mostrará que diferem também bastante em termos de longevidade criativa e tempo de duração da própria carreira. Agora, uma das grande eminências pardas do soul funk nacional ganha sua representatividade nas chamadas mídias digitais: Robson Jorge. Seu maravilhoso álbum de 1977, o único que gravou solo, está disponível nos tocadores aqui e alhures.

 

Robson Jorge nasceu em 1954, no Rio de Janeiro. Aos treze anos já era um violonista autodidata e muito promissor. Participou de bandas de programas de televisão e, logo em seguida já começou a circular entre os músicos que povoavam os circuitos de bailes e afins. Em 1971, participou de um álbum chamado “Explosão da Juventude”, como participante de uma banda chamada Rock Grain. Formada por músicos brasileiros, era uma dessas formações que tocavam covers de sucessos das paradas americanas, tentando acrescentar alguma marca sonora própria, inclusive algumas composições cantadas em inglês. Foi nesse momento que o jovem Robson conheceu Paulinho Guitarra, músico niteroiense que o levaria, dois anos depois, a tocar na banda de Tim Maia. Ainda naquele 1971, Robson faria parte dos músicos do álbum “Tony & Frankye”, da dupla jovemguardista, que buscava nova sonoridade e vinha com produção de Raul Seixas. Tony Bizarro, que entraria em carreira solo algum tempo depois, gostou muito do jovem guitarrista e o levou para colaborar com ele, especialmente em sua estreia, com o ótimo “Nesse Inverno”, de 1977.

 

Em 1973, Robson poderia se gabar por tocar em duas das mais importantes bandas do circuito da música nacional. Além de acompanhar Tim Maia, ele também colaborou e integrou o grupo que secundava Cassiano em apresentações ao vivo. Quando este entrou em estúdio para gravar seu segundo álbum, “Apresentamos Nosso Cassiano”, Robson já estava empunhando o baixo. O ganho real de quilometragem musical veio mesmo à bordo da banda residente da Seroma, a sensacional gravadora de Tim Maia. Robson já evoluíra para dominar baixo, guitarra, violão e piano, servindo, inclusive como arranjador assistente do patrão Tim. Com ele à bordo é possível dizer que o grande Sebastião produziu obras muito importantes em sua carreira, especialmente o fortíssimo álbum de 1976, gravado pela CBS, logo após a aventura dos discos “Racionais”, lançados de forma independente pela Seroma e que tornaram-se cult décadas depois. Foi neste mesmo ano que Robson estreou em carreira solo, devidamente contratado pela gravadora, que vira nele muito potencial. Primeiro veio um compacto duplo, com as canções “Viver Depois”, “Tudo Bem”, “Penso Em Dizer Que Te Amo” e “Procure Amar”. No ano seguinte, viria o seu maravilhoso álbum solo.

 

Neste espaço de meses, entre os anos de 1976 e 1977, Robson conheceu Lincoln Olivetti, outro arranjador, que vinha despontando dentro da CBS. Com ele formou o time que pilotou o estúdio para a já mencionada estreia de Tony Bizarro, “Nesse Inverno”. A partir desse álbum, formaram a dupla que seria responsável por inúmeras produções deste pop nacional de viés popular, extremamente bem produzido e com nítida influência da música norte-americana. Por exemplo, Robson tinha composto duas canções em parceria com Mauro Motta, que foram parar no disco de estreia da cantora Claudia Telles, a saber, “Fim de Tarde” e “Eu Preciso te Esquecer”, que têm arranjos e sacadas que não soariam deslocadas em produções gringas de grupos como Stylistics, por exemplo. Quando entrou em estúdio para seu álbum, Robson levou consigo Lincoln Olivetti e um time de músicos sinistros, que incluia Paulo César Barros no baixo, Altamiro Carrilho nas flautas, Picolé na bateria, com Robson e Lincoln tocando pianos, guitarras, sintetizadores. As dez faixas, novinhas em folha, eram parcerias dele com Ronaldo Barcelos, Lincoln Olivetti e com seu irmão, Renato Britto.

 

As canções do álbum são maravilhosas. Os arranjos são moderníssimos e totalmente sintonizados com seu tempo. Tem lindezas de potencial pop inegável como “Num Dia Qualquer”, que, apesar da letra triste, exala otimismo e fé no futuro ou “Tudo Bem”, que vem com um riff de baixo logo na entrada, mostrando como Robson era virtuoso no instrumento, sem falar no arranjo de metais, claramente inspirado em Stevie Wonder e no soul mais clássico. Baladaças como “Sorriso Falso” e a belíssima, “Um Amor Tão Lindo” traziam um romantismo urbano de rádio AM belíssimo, na mesma tradição de clássicos como “Primavera”, “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” ou “A Lua e Eu”. E “Amei Você” é outra dessas canções que traziam invólucros decalcados de produções soul daquele tempo, especialmente dos grupos como Stylistics e Isley Brothers. O fecho, com “Não É Assim”, retoma um pouco o otimismo a partir de decretar como encerrado um relacionamento amoroso que já não funcionava mais. Dizem que o álbum não emplacou por conta de falhas na divulgação e no próprio investimento da gravadora, que, segundo consta, não acreditava que Robson tinha estampa para se tornar um, digamos, popstar.

 

 

Mesmo assim, ele e Lincoln Olivetti se tornaram a dupla mais requisitada da segunda metade dos anos 1970 nos estúdios brasileiros. Sintonizados com o pop internacional e com as cabeças abertas para novidades, é certo dizer que eles, por exemplo, reinventaram a carreira de Rita Lee e a salvaram de uma mesmice rock’n’roll que já estava esgotada, levando-a, junto com Roberto de Carvalho, para a pista de dança e reinventando-a como artista pop. Fizeram o mesmo com Ney Matogrosso e ajudaram a pavimentar o som disco de gente como Frenéticas. Como compositor, arranjador ou mesmo músico de estúdio, Robson Jorge colaborou com gente tão diversa como Xuxa, Gal Costa, Caetano Veloso, Marina Lima, Roberto Carlos, Zizi Possi, Jorge Ben, Maria Bethânia, Jerry Adriani, entre muitos outros. Seu momento mais conhecido, no entanto, talvez seja a materialização da parceria com Lincoln Olivetti através do álbum homônimo, de 1982, considerado o grande momento do pop nacional como veículo de modernidade e sucesso. Canções como “Ginga”, “Squash”, “Baila Comigo” e por aí vai. No ano passado, foi lançado “Déjà Vu”, um álbum digital com canções e arranjos inacabados da dupla. Também está disponível nos tocadores as sensacionais “The MM Sessions (1985-1992)”, que trazem alguns dos trabalhos que Robson fez nos últimos anos de sua carreira. Entre eles, a demo de “Amor Perfeito”, sucesso de Roberto Carlos, em 1986.

 

Robson morreu em 1992, por conta de problemas decorrentes do alcoolismo. Foi um gênio da música brasileira. Simples assim. Sua obra merece ser ouvida, difundida e valorizada. Lá fora, seu álbum de 1977 foi relançado pela gravadora portuguesa Mad About Records, responsável por sua disponibilização nos serviços de streaming. Conheçam, ouçam, amem.

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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