O onipresente e inevitável Chris Martin
Estamos assistindo a um fenômeno: a presença massiva do vocalista do Coldplay, Chris Martin, em vários setores da vida cotidiano-midiática brasileira. Ele foi a uma roda de samba na Barra Funda, participou de um ensaio de bateria do curso de Direito da USP (a quem ele convidou para o palco posteriormente), fez chá de revelação para fã em Curitiba, ajudou moradores de rua e os convidou para um show da banda em São Paulo, apareceu em podcasts, cantou com Sandy, cantou com Seu Jorge, conversou com o dublê de crítico musical régis tadeu (que disse odiar a banda) e, ontem, se encontrou com o presidente Lula e a primeira-dama, Janja. Não estamos acostumados a tanta presença. Mas esse estranhamento tem uma explicação, digamos, consensual: o Coldplay, grupo do qual Martin é o cérebro, está no topo de seu jogo musical-midiático. Percorre uma turnê nacional de onze datas, das quais cumpriu oito até agora, com estádios lotados em três cidades do país – São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Algo que já é raro para artistas brasileiros na atualidade do circuito de shows.
Mais que isso: é a sétima vez que o grupo vem ao Brasil. Trata-se, portanto, de uma banda que não se faz de rogada, algo que é ainda mais interessante em se tratando de América Latina, ainda um mercado fora do eixo habitual do showbiz mundial. Além do Brasil, o Coldplay esteve no Peru, no Chile, na Colômbia e na Argentina. No ano passado, a atual turnê, “Music Of The Spheres”, esteve em toda parte, da República Dominicana aos Emirados Árabes, passando por várias idas e vindas aos Estados Unidos, México e países da Europa. Ou seja, o mundo quer o show do Coldplay. Certamente esta demanda universal pela banda deu a Chris Martin um status insuspeitado de gênio da música pop atual. Se pensarmos bem, quando ele e o grupo deixaram o início de carreira em que eram uma versão mais acessível do Radiohead com toques do U2 eletrônico do início dos anos 1990, para se tornar uma banda grandiosa, que só cabe em estádios e dona de um repertório ultrapop e universal, constituíram o que os marketeiros chamam de “case de sucesso”. Se o Coldplay de “Parachutes” (o primeiro álbum, de 2000) estava fadado a circular nos ambientes alternativos, a versão 2023 da banda é um unicórnio colorido e titânico. Os shows contam com projeções, efeitos especiais e um palco que se estende por todo o estádio, é uma experiência acachapante.
A banda promove e valoriza a acessibilidade, com a distribuição de coletes que vibram com a frequência das músicas e o uso de língua de sinais para os deficientes auditivos. O próprio Martin se apresenta em Libras. O vocalista e líder da banda parece ser uma pessoa que se esforça para, digamos, ter uma agenda positiva com ares de improviso e espontaneidade. Nos dias em que está circulando pelo país, Martin parece fazer questão de estar disponível, acessível, sem qualquer esquema que o prive de ver as coisas com o máximo de proximidade possível. Ele é camarada, gente boa, sempre com um sorriso no rosto. Namora a atriz americana Dakota Johnson, que protagonizou o filme “50 Tons de Cinza” e suas sequências. O que mais o público pode querer de alguém famoso e bem sucedido? Acessibilidade, camaradagem, disponibilidade, bondade e felicidade como mercadoria de troca.
A presença de Martin e sua turma no país rende frutos, digamos, palpáveis para o Coldplay. ao longo do mês de março, São Paulo surgiu como a terceira maior agregadora de ouvintes da banda, com mais de 1 milhão e 300 mil fãs, ficando atrás apenas da Cidade do México e de Londres. Um estudo através dos serviços de streaming mostram que mais pessoas estão ouvindo Coldplay em março em lugares como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Recife em todas as faixas etárias, entre 18-25 anos (18%), 26-35 anos (38%), 36-45 anos (29%) e 46-55 anos (10%).
Como explicar essa unanimidade?
Dia desses, no meu perfil do Facebook, perguntei aos amigos quais atividades que Chris Martin poderia desempenhar nesses próximos dias da banda no país. O grupo ainda tem as apresentações cariocas, devidamente agendadas para o Estádio Nilton Santos (aka Engenhão) nos dias 25, 26 e 28 de março. A partir desta enquete, surgiram as seguintes sugestões para Chris:
– Chris Martin animador do Espaço Kids do Clube Municipal enquanto os pais assistem ao show do Elymar Santos.
– Chris Martin e Monja Coen discutindo o sentido da vida no Café Filosófico.
– Chris Martin participando de debate sobre a bioética dos megashows, ao lado de Leandro Karnal e Mario Sergio Cortella.
– Chris Martin dividindo o palco Jackson do Pandeiro na Feira dos Nordestinos fazendo backing para uma banda de forró
– Chris Martin embaixador do Criança Esperança, esperando a sua ligação.
– Chris Martin lança mashup de “Viva la Vida” com “Tem cabaré essa noite” no programa do Mion.
– Chris Martin comprando artesanato na Feira do Lavradio de havaianas e bolsinha de algodão
– Chris Martin recriando a cena de Didi Mocó escalando e beijando a mão do Cristo Redentor
– Chris Martin adotando um cachorro caramelo
Queremos Chris Martin tão acessível? Parece que sim. Estamos preparados para uma estrela da música tão disponível nas nossas vidas? O noticiário comporta tanta informação gerada pela presença do cara em vários lugares que não sejam o palco de seu show? Queremos uma celebridade tão perto? É exagero criticar um artista internacional por ser tão acessível e adotar uma postura dão positiva? Será que o mundo não comporta alguém com grana e sucesso mamúticos que, mesmo assim, não se furta a transitar entre as pessoas normais? Isso é errado? O “certo” é ser uma celebridade difícil, mal humorada, que trata as pessoas com irritação e enfado?
A presença de Chris Martin é mais profunda e multifacetada do que parece. Do anônimo ao presidente do país, todos parecem querê-lo por perto. No fim das contas, o vocalista do Coldplay se tornou assunto em diversas esferas, por um longo tempo. De apoiadores a críticos, só se falou dele. A meu ver, refletindo de forma isenta e colocando a questão no mundo de hoje, no qual apenas os cliques e visualizações importam, Chris mandou muito bem. Porém, cuidado: num texto extenso sobre um cantor e sua banda, não houve uma única menção à música que eles fazem, o que comprova o papel adjacente que ela ocupa no atual momento do Coldplay. Isso quer dizer muito.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.