Bruna Lucchesi e Vinicius Bastos Gomes – MEO

 

 

 

Gênero: MPB

Duração: 55 min
Faixas: 13
Produção: Bruna Lucchesi e Vinícius Bastos Gomes
Gravadora: Independente/Tratore

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

A evolução da história contemporânea borra diversas fronteiras culturais todos os dias. Uma delas – e uma das que se mantém ainda reservadas – é a da música erudita. Em pleno 2020, o que seria isso? Seria forma? Seria conteúdo? Seriam padrões de composição e respeito a ditames já meio envelhecidos? Ou seriam eles mecanismos que evoluem a cada dia? O que posso dizer é que, de tempos em tempos, surgem algumas obras que teimam em tornar muito difícil a percepção dos terrenos e este é o caso deste belo “MEO”, disco em que Bruna Lucchesi e Vinicius Bastos Gomes, dois artistas com treino em música erudita, brincam de mexer e refazer composições populares – no sentido de ‘não-eruditas’. Eles seguem a linhagem de artistas grandiosos do passado recente, caso de Egberto Gismonti, por exemplo, que gostam de se equilibrar nessa visão brasileira do erudito, impregnando salões europeus com terra nos sapatos e saudade do campo no olhar perdido. É isso que “MEO” oferece ao ouvinte, em pleno 2020.

 

Bruna e Vinícius se conheceram na Faculdade de Música da Unicamp e atravessaram seu tempo lá em meio a bandas em que faziam parte ou não. Mas o ambiente universitário, a efervescência e a colaboração – típicas desta época da vida – ficaram impressas em suas carreiras e, quando se juntam, é possível perceber esse desejo de fazer algo que fique marcado na memória das pessoas. É a tal vontade de “deixar sua marca” em meio a tantas outras circunstâncias do cotidiano. Sendo assim, por que não num disco? E por que não num disco em que se aproximam de um formato de recital de música camerística, apenas com voz e piano, refazendo canções que vão de Milton Nascimento e Lô Borges a Paulinho da Viola, passando por Lupcínio Rodrigues, Franscisco El Hombre e até Amy Winehouse? Nada contra, muito pelo contrário.

 

Bruna é curitibana, Vinícius é mineiro. Juntos são um Brasil que é presente na memória da gente, especialmente conduzida pela música. Há momentos em que os dois conseguem atingir lirismo e beleza impressionantes, seja pela limpeza cristalina da voz ou pelo piano complexo, vigoroso e gismontiano onipresente. O fato é que, como todo bom artista, os dois se apropriam das composições que visitam, levando-as para terrenos muito inesperados. O primeiro exemplo que surge no álbum é a releitura de “Dança da Solidão”, um clássico tristíssimo de Paulinho da Viola, que ganha uma dimensão além-samba, que o leva além da periferia da cidade grande setentista – sua origem – e a torna uma espécie de canto universal, de lamento ancestral, algo muito belo. Depois, outro momento impressionante: “Caramujo”, de Gustavo Infante, que traz o piano de Vinicius em espirais concêntricas que pairam no ar, enquanto Bruna leva sua voz para o limite entre o suposto sagrado das igrejas e o suposto profano das esquinas.

 

 

“Triste, Louca ou Má”, do repertório dos paulistas Francisco El Hombre, ressurge em ambiente distinto, como se estivesse numa tertúlia de outro tempo, com solfejos, arpejos, tudo muito bonito. “Clube da Esquina nº2”, de Milton Nascimento e Lô Borges, também ganha uma roupagem muito distinta do original sem letra, de 1972, ou da versão com palavras, de 1979. A releitura da dupla explora o silêncio entre os arcordes, dá tempo para o ouvinte sentir o que lhe chega, enfim, é como uma caminhada a dois, por um lugar que a gente pensa que conhece. Ou se confunde. “Frevo”, de Egberto Gismonti, é momento solar e atemporal, em que a dupla chega em altíssimo nível, abrindo a mente do ouvinte para as versões de “A Terceira Margem do Rio” (Caetano Veloso e Milton Nascimento), “You Know I’m No Good” (Amy Winehouse) e a dolorida – mas linda – “Nunca”, de Lupcínio Rodrigues, que encerra o álbum.

 

 

“MEO” é um recital de bolso, um festival de beleza distinta e rara, algo que pode ser perfeito, dependendo do momento, da vida, do dia, da chuva que cai lá fora ou, como mostra a capa do álbum, do azul do céu. Algo que não combina com a dureza do Brasil de 2020.

 

 

Ouça primeiro: “Frevo”, “Nunca”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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