O interminável David Crosby

 

David Crosby – For Free

Gênero: Rock, folk

Duração: 37:19min
Faixas: 10
Produção: James Raymond Crosby
Gravadora: BMG

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

David Van Cortlandt Crosby vai fazer 80 anos no próximo dia 14 de agosto. De 2014, ele vem numa fase especialmente prolífica de sua carreira solo, com nada menos que cinco álbuns lançados, contando com este belo “For Free”. Nestes trabalhos, o ex-Byrds e ex-CSNY, uma das vozes mais belas da música popular nos últimos 50 anos, uma das personalidades mais explosivas que se tem notícia, vem navegando em mares calmos, mas nunca sossegados. Sua associação com os filhos, especialmente James Raymond, seu produtor neste álbum, e sua vontade de continuar escrevendo e gravando, lhe dão uma distinção que pode ser comparada a de titãs como Paul McCartney, Neil Young, Bob Dylan, Carole King e Brian Wilson, todos sobreviventes e contemporâneos de Crosby, ainda produtivos e muito relevantes. Neste “For Free”, temos um desfile de 10 lindas canções, cada uma a seu jeito, lembrando dos tempos idos e acenando para novas e novíssimas sonoridades que são dominadas com maestria por Croz, um mestre da voz.

 

Este álbum foi concebido e gravado na casa de James, com o papai Crosby tendo fixado residência por lá, justo para levar adiante um monte de ideias que vinha tendo durante a pandemia. Mas, ao contrário do que poderia se esperar, as canções presentes aqui não disparam contra o estado das coisas, a pandemia ou algo assim. São reminiscentes daquele belo folk/soft/rock setentista que o CSNY ajudou a criar, fornecendo toda a base guitarra/violão para canções que refletiam uma certa tristeza pelo fracasso das epopeias dos anos 1960 e procuravam se entender nos anos 1970, num país que vinha governado por Nixon e que ainda estava no Vietnã. Tais fatos, mesmo acontecendo há cerca de 50 anos, fornecem o mesmo padrão de arranjo, estrutura e constituem uma espécie de idioma musical no qual Crosby é muito fluente. Além disso, sua voz permanece surpreendentemente boa para um cara que bebeu todas, se drogou adoidado e viveu várias turbulências emocionais. Se o povo gosta de brincar com a longevidade de Keith Richards, deveria conhecer um pouco a história de Croz.

 

 

O fato é que “For Free”, mesmo que tenha toda essa linhagem de glórias e relevância, tem seus charmes muito 2021. Por exemplo, em tempos de ressurgimento da música setentista sob rótulos como AOR, Crosby conta com dois grandes nomes que fundaram o pop/soul/funk dos 70’s, caso de Michael McDonald e Donald Fagen. O primeiro teve seu tempo como músico e vocalista de apoio no Steely Dan – fundado por Fagen e Walter Becker – além de fornecer voz e estilo para a encarnação pop do Doobie Brothers. Michael aparece logo na primeira faixa do álbum, harmonizando lindamente com Crosby em “River Rise”. Se esta cruza de vozes parece nova para quem se acostumou aos celestiais registros do CSN (&Y), a segunda faixa, “I Think” relembra o que melhor o trio/quarteto fez, com um arranjo vocal belíssimo em meio a instrumental folk/rock na medida certa.

 

 

Fagen aparece como compositor em “Rodriguez For A Night”, interpretada por Crosby com traquejo e fluência, abrindo um espaço para ele nesta seara do jazz/rock, com muita belezura. “The Other Side Of Midnight” é outra lindeza absoluta, também devedora ao passado glorioso, mas com uma melodia límpida e cristalina. Aqui o vocal de Crosby também aparece solo e dobrado nas harmonias, possibilitando ver como está em boa forma. E “For Free”, a faixa-título, é uma versão de Joni Mitchell, outra contemporânea, que a registrou originalmente no álbum “Ladies Of The Canyon”, de 1970, uma espécie de despedida dela em relação ao espírito hippie que havia fracassado no mesmo tempo. A versão de Crosby enfatiza o acento jazzy da melodia, com muita beleza e relevância. Aliás, batizar o álbum com esta faixa já mostra o tanto de reverência que ele dispensa ao trabalho e à persona de Joni.

 

 

“For Free” é um disco feito para quem ouve a música com mais referências e objetivos do que a maioria. Não é música pop, é como se fosse um diário dos dias mais recentes de Crosby, que ainda sente disposição, às vésperas de seus 80 anos, de compartilhar com o ouvinte. Somos privilegiados de habitar o mesmo tempo e espaço que estes caras.

 

Ouça primeiro: “I Think”, “For Free”, “Rodriguez For A Night” e “The Other Side Of Midnight”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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