Melbourne, 09:00 AM
A rotina é a mesma todos os dias: levanto cedo, preparo meu café e levo meu filho para sua escola. Vamos caminhando, já que cada subúrbio de Melbourne possui várias escolas, entre públicas, católicas (pagas) e particulares. A coisa é tão organizada que quando eu estava procurando um apartamento para alugar, o próprio site que oferece os imóveis já disponibilizava todas as escolas da região. E para matricular seu filho é de uma facilidade absurda. Assim que resolvi a questão do aluguel, mandei um email para a escola que eu tinha escolhido, perto do meu apartamento, aqui em Preston, perguntando várias coisas, inclusive a questão financeira.
A resposta deles: “Mr Osirio (eles têm uma dificuldade tremenda em escrever meu nome. Ou é Osirio ou Osario, mas jamais OSÓRIO), estamos felizes pelo seu e-mail. Como seu visto é de estudante de doutorado o senhor está livre de qualquer custo financeiro, excluindo o material escolar. A única coisa que o senhor tem que fazer é vir à escola e preencher a ficha com seus dados. Esperamos vê-lo em breve”.
Fiquei pasmo, com o fato de que eu não precisaria pagar nada (as escolas para não-residentes são pagas, e são bem caras) e com a facilidade de matrícula.
Hoje ele está adaptado e feliz com seus novos amigos e com a nova dinâmica escolar. E nós, respiramos aliviados com tudo. Depois de deixá-lo é hora de partir para a Universidade, que fica a 9 km do meu subúrbio. Inicialmente eu ia de transporte público, e para isso eu não tenho descontos. O estudante de graduação tem. Comprando o cartão que dá direito a andar à vontade durante 1 mês (você mantém o cartão e depois o carrega com dinheiro) o gasto fica em 140 dólares australianos. A minha rotina no trem era sempre a mesma: na ida, lia livros no meu Ipad (aqui NINGUÉM tem Ipad, uma surpresa).
Consegui botar em dia meus livros, terminando Haruki Murakami, Jon Krakauer, Jessé Souza, Noam Chomsky, a biografia do Moby, Anthony Bourdain e o livro 2 do Karl Ove Knausgard. Na volta, colocava meu fone e escutava música pelo Spotify (parem de ler agora e vão escutar Durand Jones & The Indications, uma sensacional banda de soul music).
Mas, poxa…140 dólares!
Melbourne é uma cidade tomada pelas bicicletas. Tem de todo tipo e pessoas de todos os tipos nelas. Tem os ciclistas semi-profissionais (pelo menos as roupas e as bicicletas são); o estudante e sua mochila nas costas; o hipster de bigode e calça arregaçada com botina; a moça de saia longa e também de botina; o executivo de calça de trabalho e camisa social; a galera mais relaxada e os indefectíveis Birkenstocks (nunca vi calçado mais feio na minha vida, mas são onipresentes aqui); o senhor barrigudo que quase não cabe na bicicleta. Mas todos, TODOS respeitando as sinalizações e a “ética” da bicicleta. Sinalizar com a mão, parar na faixa de pedestres, esperar as pessoas descerem do Tram, avisar que está ultrapassando com aqueles sininhos irritantes, etc.
Eu nunca fui ciclista, mas sempre admirei quem se dispunha a trocar o carro pela bicicleta. Uma grande discussão é o resultado disso, envolvendo políticas públicas que incentivem seu uso, conscientização das pessoas que NÃO estão nas bicicletas e, principalmente, uma cidade que permita e respeite o ciclista, oferecendo condições para todos compartilharem as ruas das cidades. Melbourne é assim, e espero mesmo que o Brasil siga por este caminho. Os resultados são indiscutíveis, com menos carros nas ruas, menos poluição e vou dizer: sua relação com a cidade muda completamente.
Resolvi comprar uma bicicleta, mas não entendia absolutamente nada, sobre qual modelo, tamanho ou até o capacete que usar (aqui é obrigatório). Por 150 dólares comprei uma boa bicicleta, com o
apoio consultivo de meu cunhado, este um ciclista profissional. Nas contas, ela foi paga com um mês de transporte público, e tirando o lado financeiro, meus dias se transformaram. Minha saúde nunca esteve tão boa, sequei umas gordurinhas, reaprendi a andar de bicicleta e descubro uma nova Melbourne todos os dias. Sinto-me completamente integrado à comunidade do pedal.
A rotina se repete: coloco minha mochila. Escolho as músicas no Spotify (normalmente eu coloco um lançamento dos artistas que eu sigo, um lançamento qualquer da música – se eu gostar eu sigo o artista no Spotify – e um disco que eu tinha e estava com vontade de escutar novamente. Dá para uns 2 dias, indo e voltando da Universidade.
Aperto o play. O novo disco dos Pretenders, com produção do Dan Auerbach (Black Keys) começa a tocar. Na sequência tem o disco do Pong esperando. Desço de elevador para o local em que as bicicletas ficam estacionadas. Vou para a rua e ativo o app Strava para que eu verifique meus status (velocidade, tempo, km). Iniciar. Subo na bicicleta e desço para o subúrbio de Thornbury e já sinto o vento frio no meu rosto. Uma delícia. Corto para uma via transversal e chego à St George Road, uma via quase que exclusiva para bicicletas. Acelero na marcha mais pesada e o vento bate forte. Passo um sinal, passo dois e chego à rua, em que dividirei agora com os carros. Sem problemas.
Entro no subúrbio de Fitzroy, via Brunswick St e paro no primeiro sinal. À minha direita o Grower’s Expresso. Vivo me prometendo que venho aqui comprar um café. Passo por uma, duas, três lojas de disco, por aquele restaurante Marroquino que eu quero experimentar, o Morrocan Soup Bar. Passo pelo Ice Bar e na próxima viro à direita, mas antes preciso indicar e esperar minha vez no sinal, na frente dos carros, sempre. Subo para a Rathdowne st, onde irei virar para a esquerda, mas antes passo pelo Casa Iberica Deli, que tem produtos do mundo todo, inclusive aquela farofa brasileira que eu sinto tanta falta. E pela Veggie’s Mum, um restaurante vegetariano bem interessante. Preciso conhecer. Dobro à esquerda e pego a maior subida. Marcha leve, botando a língua para fora. Chego ao Melbourne Museum à minha esquerda, que sempre me impressiona e rapidamente paro e aperto um botão no sinal exclusivo para ciclistas. Os carros param e viro à direita na Queensberry St. Mais uma descida e vejo aquele restaurante turco que eu também preciso ir. Passo voando pelos sinais abertos e viro novamente à esquerda na Cardigan St.
A Universidade se revela à minha frente. Atravesso a rua, desço da bicicleta, entro no elevador com ela e vou para o HDR Students Office. Aperto concluir no Strava. 27 minutos, um pouco pior do que ontem, mas hoje parei para tirar fotos porque a cidade é linda.
Como é bom esse disco dos Pretenders!!! Estou ansioso para ouvir o do Pong na volta para casa.
Osório Coelho é servidor público federal licenciado, doutorando em ciências sociais, vascaíno, DJ amador, fã de black music e acredita em uma revolução socialista.
Rapaz, você conhece uns negócios underground, heim? Fiquei curioso com essa tal de Pong e tive dificuldade de encontrar no Spotify (o resultado da pesquisa traz na frente um monte de outros artistas com “pong” no meio do nome). Tô ouvindo o disco Gone, de 2014, e tô achando bem legal. Mas fui atrás de mais informação e os caras sequer aparecem na Wikipedia!! Em idioma nenhum!!! Onde você descobre essas maluquices??
Segue aqui uma errata: Não é PONG, mas sim POND!!!! Foi mal, mas vale escutar o disco TASMANIA, que é sensacional!!!
Grande Osório!! Ótimo texto, muito interessante! E com boas dicas de música embutidas. Bom demais, continue nos passando essa visão muito particular do outro lado do mundo. Forte abraço e bons estudos!!!