O Disco Mais Belo do Primeiro Semestre

 

 

 

Sondre Lerche – Avatars Of Love
(PLZ)
85′, 14 faixas.

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

 

 

Quem conhece a trajetória do cantor e compositor norueguês sabe que o título desta matéria não é exagero, muito pelo contrário. Sondre Lerche, que começou pós-adolescente no ofício da música, maturou tanto o seu trabalho ao longo de vinte anos de carreira, que, finalmente, chegou a um glorioso ápice. Sua música é um misto de sophistipop (aquele som maravilhoso dos anos 1980, que tinha Prefab Sprout à frente), jazz tradicional, com pitadas ocasionais de eletrônica e new wave. Não raro, Sondre adentra o terreno de estilos vizinhos a estes, como a bossa nova e, de alguma forma maravilhosa, todas essas referências habitam gloriosamente o escopo sonoro deste irrepreensível “Avatars Of Love”, seu décimo-primeiro álbum, descontando aí duas trilhas sonoras. Aqui Sondre investiga o mosaico de sentimentos e medos vividos por ele na pandemia da covid-19 e os reveste com todos os recursos possíveis em seu estúdio caseiro, visando um momento de real excelência artística. E consegue.

 

 

“Avatars Of Love” é, como dissemos, um disco de pandemia. Sondre se viu completamente angustiado em casa, o que motivou uma verdadeira explosão de cores sonoras. Além de se valer de seus recursos e influências habituais, ele abriu a mente para experimentações e novas aventuras, com um resultado exuberante. Tudo em “Avatars Of Love” é belo, terrivelmente. É tudo avassalador, ainda que vários momentos aqui se valham da presença do silêncio, do meio-som, da surdinha, da meia-luz. É um disco para ser ouvido em silêncio, com concentração absoluta, uma vez que as canções do álbum exigem a total atenção de quem se dispõe a ouví-las. Uma vez estabelecida e atendida esta condição, o resultado é o deslumbre. A produção ficou a cargo do próprio Sondre, mas ele contou com várias participações especiais, como, no caso dos arranjos de cordas, a presença do sensacional Sean O’Hagan, a mente criativa do High Llamas.

 

 

Algumas canções aqui estão entre as melhores que Sondre já escreveu e gravou. Aliás, depois de ouvir o álbum, fica difícil lembrar dele em melhor forma. A abertura já arremessa o ouvinte num mundo de beleza absoluta. “Guarantee That I’d Be Loved” é um pequeno épico de seis minutos e meio, com violões acústicos, cordas e uma melodia que emociona até uma estátua. Tem brandura no início e vai se transformando em algo muito sério, dramático e desconcertantemente belo. E é só o começo. “Dead Of The Night” tem outro espírito, investe no cânone do Prefab Sprout com uma melodia hipnótica e pianos fantasmas que surgem quando menos se espera, numa narrativa de alguém que medita quando o sol não está visível no céu. “Cut” é outra canção de natureza Sproutiana, extremamente classuda, com uma linha de baixo e bateria invejável, cheia de estilo e um refrão que tem apenas uma palavra de três letra, majestosamente postada quando menos se espera.

 

 

Outras lindezas vão brotando no caminho. “My Love Still Waits” é uma assumida e orgulhosa balada bossanovísta com lirismo e lindeza no arranjo, enquanto a faixa-título, com mais de dez minutos de duração, é um exercício de futuro do pretérito, docemente adornada com detalhes sonoros como vibrafone, baixo acústico e uma percussão insinuante. Pouco depois, ele cita Leonard Cohen em “Now She Sleeps Beside Me”. As participações são ótimas. CHAI adorna a lindeza que é “Summer In Reverse”, enquanto “Special Needs” tem a participação de Felicia Douglass, que canta no Dirty Projectors. E tem “Magnitude Of Love”, na qual Sondre dueta docemente com Mary Lattimore e o fecho, o single “Alone In The Night”, outro dueto emocionante, dessa vez com a cantora inglesa AURORA, num clima de pop song dourada cinquentista, que nunca existiu.

 

 

Sondre Lerche é um dos grandes cantores e compositores do nosso tempo. Suas influências, sua coragem em explorar sons e formatos, seu bom gosto, tudo converge em “Avatars Of Love” de forma gloriosa. Não perca de jeito nenhum.

 

 

Ouça primeiro: “Guarantee That I’d Be Loved”, “Cut”, “Dead Of The Night”, “We Will Ever Comprehend”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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