Maneskin, Greta Van Fleet e os roqueiros velhos
Felizmente eu não sou roqueiro. Nunca fui, aliás, ainda que aprecie o rock’n’roll, seja como gênero musical, seja como acontecimento histórico cheio de reverberações em diversas esferas. O caminho que a música que estourou no meio da década de 1950 e avançou pelas seguintes, nos dando Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Byrds, culminando em Nirvana, Oasis, Pearl Jam e chegando em Strokes, White Stripes e um monte de outras bandas e artistas, caminha por uma estrada que passa por duas bandas que “mantém a tradição do rock pesado”: Greta Van Fleet e Maneskin.
Antes que me arremessem tomates – olha que tá caro, hein? – eu esclareço que estou perfeitamente a par da existência de, literalmente, centenas de outras bandas mais interessantes, instigantes e dignas de manter a tradição do rock como uma música que caminha em direção ao futuro e não fica pregada no chão, olhando para trás. O problema é que o fã de rock é esta pessoa. Via de regra, o “roqueiro” é aquela pessoa que se tornou conservadora, avessa a mudanças, não raro preconceituosa e chata. Muito chata. É gente que pensa que o mundo deveria ter parado nos anos 1970 e amaldiçoa tudo o que veio depois, sem saber exatamente o que é. Gente com mentalidade restrita. Por essas e outras, essas duas bandas dividem os fãs de rock mais tradicionais. E ambas já passaram pelo Brasil, portanto, é possível falar um pouco delas e dos roqueiros chatos.
O Maneskin, quarteto italiano que esteve ontem no Rock In Rio, faz o que eu chamaria de rock fanfarrão, ou seja, um som mais adolescente, que tem o glam rock como fundação e, a partir dele, pega emprestados elementos do pop, do hip hop (em uns poucos momentos) e do rockão de arena oitentista, tudo isso excutado por personagens quase estereotipados. A baixista, Victoria de Angelis, é uma boneca que vai ficando seminua ao longo do show e não hesita em se atirar na plateia, sem temer mãos bobas e puxões em seu cabelo castanho claro. O vocalista, Damiano David, é um sex symbol casual, tem as feições italianas clássicas e arranca suspiros do público. O guitarrista Thomas Raggi parece um nerd que se soltou e achou no rock a sua razão de existir. É outro que se atira no público, enquanto o baterista, Ethan Torchio, faz o gênero caladão, com seu longuíssimo cabelo negro. Todos são músicos medianos, mas entendem o idioma do palco e, quando estão em um, dão toda a energia possível.
Com um repertório feito para encantar multidões televisivas e internéticas de baixo conhecimento musical, tudo funciona e faz sentido. O grupo se tornou notório por participar de um reality show X-Factor na Itália, chegando em segundo lugar, em 2017. A partir daí, o Maneskin entrou num caminho que o levaria a ganhar o Festival de San Remo e o Eurovision em 2021 e fazer de seu álbum, “Il Ballo de la Vita”, de 2018, um sucesso mundial. Agora, em 2022, eles iniciaram uma turnê mundial justamente com as apresentações no Brasil. Além do Rio, o grupo tocará em São Paulo. A julgar pelo show que deram no festival, o Maneskin é entretenimento certo para as gerações mais novas, acostumadas com o pop estelar e o rap eletrônico. É o novo a partir do velho.
Já o Greta Van Fleet, a outra banda “roqueira” por excelência, é o oposto do Maneskin. Formada no interior dos Estados Unidos (em Frankenmuth, Michigan) em 2012, ela consiste nos irmãos Josh, Jake e Sam Kiszka, além do baterista Danny Wagner, e iniciou as atividades em 2012 (quatro anos antes do Maneskin). O apelo principal do GVF é, justamente, tocar rock’n’roll “de verdade”, segundo seus fãs, o que significa, neste caso, chupinhar sem dó ou vergonha o acervo sonoro engendrado por bandas anglo-americanas dos anos 1970, especialmente o Led Zeppelin. O que poderia – e deveria – ser visto como uma prova imensa de falta de originalidade, foi encampado como “aura vintage” pelos fãs da banda, que também são fãs das matrizes originais de sua inspiração. Ou seja, não há entre os roqueiros mais conservadores a noção de que o som é apenas regurgitado, desde que seja de forma “séria”, algo que o Greta faz conscientemente, se achando herdeiro de uma tradição de bandas relevantes do rock.
Já o Maneskin, adepto da esbórnia no palco, também chupinha sem dó as matrizes do glam rock setentista, porém assume desde o início que sua sonoridade é festiva e voltada para a diversão pop, esvaziando a maldita seriedade que o rock adquiriu nos mesmos anos 1970, de ser portavoz do bom gosto, da erudição, da inteligência, instâncias que ele nasceu para questionar. Enquanto o Greta se leva a sério no palco, o Maneskin se atira na plateia e brinca o tempo todo, abrindo espaço para covers que vão de Britney Spears a The Who, com espaço para “Beggin'”, a faixa do Four Seasons que foi responsável por viralizá-los no TikTok.
O Greta Van Fleet parece nem saber o que é TikTok e essa postura agrada aos tais roqueiros conservadores. Eles são os mesmos que desconfiam da relevância de bandas novas com atitude de novas. Que desaprovam a música distinta do rock, seja ela pop, hip hop ou r&b, não acreditando em nada que não tenha a formação baixo, bateria e guitarra, porém, quando um artista se vale exatamente deste approach sonoro e brinca com o rock, usando seus símbolos e tiques existenciais, o roqueiro velho se irrita, se sente aviltado e ataca, dizendo que, neste caso, o Maneskin, é uma banda menor, sem originalidade e com existência fadada ao desaparecimento rápido. Pode ser, afinal de contas, o que fica para sempre? No caso, o rock, mas, que fique para sempre a atitude e a presença divertida de um show em festival, sem que seja preciso o público fazer um Enem para ser “digno” de apreciar ou não um artista.
Certamente o Maneskin vai passar, afinal de contas, são quatro moleques de vinte e poucos anos se divertindo e ganhando grana enquanto brincam de ídolos do rock. E o Greta também vai, mesmo se levando mais a sério. E o roqueiro velho, bem, ele já passou e não sabe. Ou sabe.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
o cara reclama dos rockeiros velhos e chatos, mas a crítica das bandas é exatamente o que um rockeiro véio chato diria… aiai
Engraçado como não hesita em chamar o outro de mediano ao mesmo tempo que não tem a humildade de checar ao menos se escreve o nome do álbum dele certo. Italiano não é espanhol. Só de ter chamado Maneskin e Greta de rock pesado diz muito sobre o que se resume seu repertório de rock e a visão limitada que tem da cena. Mais consciência antes de generalizar tanto como fez nesse texto.