Ira! – IRA

 

 

Gênero: Rock

Duração: 43 min.
Faixas: 10
Produção: Apollo 9
Gravadora: Ditto Music

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

A última vez que o Ira! lançou um álbum de faixas inéditas e autorais foi há treze anos. “Invisível DJ” foi um dos trabalhos menos inspirados do grupo, tanto que precipitou o fim das sua atividades e diversas brigas entre os integrantes, Nasi, Edgard Scandurra, André Jung e Ricardo Gaspa, que só voltariam a tocar juntos em 2014. Naquela ocasião, o grupo retornou para projetos que envolviam turnês e registros ao vivo. Depois, sem Gaspa e Jung, o Ira! fez apresentações com ênfase nos instrumentos acústicos e em novos arranjos, chamando seus shows de Ira! Folk. Parecia mais um gigante do rock nacional oitentista fadado a viver de glórias passadas, até que surgiram as primeiras informações dando conta de um novo álbum, cheio de canções autorais, prestes a ser lançado. Os singles divulgados nos serviços de streaming deixaram os fãs ainda mais animados, tamanha a qualidade e pegada que a banda exibia. Com as presenças de Johnny Boy (baixo) e Evaristo Paiva (bateria), além de Nasi e Edgard, o Ira! se “retroinventou”, ou seja, voltou a ser uma banda de glórias como era há tempos. Seu novo disco, “IRA”, talvez seja o melhor trabalho desde “Psicoacústica”, de 1988.

 

Se engana quem pensa que estamos falando de um disco nostálgico. O DNA dos caras está presente, a saber, o rock forte, de têmpera mod, via The Who e The Jam, devidamente modificado pelas vivências próprias dos integrantes e pela realidade, um elemento indispensável aos bons discos de rock. O Ira! está atento ao nosso momento e percebeu que as agruras deste cotidiano 2020 exigem, pedem, clamam por um bom álbum de rock, sem firulas, sem espaço para invencionices. O que temos é um trabalho em que Edgard, o grande arquiteto musical presente, aproveita toda a sua vivência – dentro e fora do rock – para dar ao Ira! uma (mod)ernidade que a banda nunca exibiu com tanto vigor. Se a sonoridade dos arranjos é 100% clássica e tradicional, o grupo o faz com total dedicação e vigor, não economizando em solos de guitarras, passagens instrumentais psicodélicas e vários outros recursos que caem como uma luva nos nossos ouvidos.

 

A crítica social está presente em vários momentos, sempre revestida de ótimas combinações de letra/música. Exemplo claro é “O Homem Cordial Morreu”, em que Edgard faz crítica oportuna sobre a figura mitológica do homem brasileiro do interior, que seria chamado de “cordial” pelo antropólogo Sérgio Buarque de Hollanda, mas que, na verdade, é revestido por várias crenças conservadoras que não o fazem hesitar em optar por decisões opressoras. O arranjo da canção é totalmente rock, com andamento dinâmico e intervenção sutis de cordas e versos como “E se eu me entrincheirar contra o opressor, que seja ao seu lado, lado a lado por favor”. Em “Mulheres À Frente da Tropa”, Scandurra canta em meio a instrumental acústico e percussivo, uma letra sobre o empoderamento feminino e as formas múltiplas de resistência empreendidas pelas mulheres, num reconhecimento à sua força.

 

Outras canções merecem destaque: o single “O Amor Também Faz Errar” é uma das mais adoráveis criações da banda desde sempre, trazendo existencialismo adulto em contraposição a posturas pós-adolescentes em campos como o amor e a amizade. “Respostas” é um rockaço incandescente, cheio de guitarras e um solo que vai quase na marca dos dois minutos. “Você me Toca” tem andamento sessentista em meio a letra de obsessão amorosa/física. A vocalista do Metrô, Virginie, participa com vocais em francês, de “Efeito Dominó”, balada reflexiva e psicodélica, enquanto “Eu Desconfio de Mim” tem arranjo intrincado, boa linha de baixo e uma repetição intensa do verso “eu não sei dizer não, desconfio de mim”. “Chuto Pedras e Assobio” já começa com um achado poético scandurriano típico: “eu estou bem acompanhado de meu eu sozinho”, enquanto “A Nossa Amizade” é uma ode à confusão entre afetos, amores e sentimentos ao longo da vida.

 

“IRA” é um oásis de simplicidade e eficiência. São dez faixas que não exageram ou economizam, mostrando uma medida exata em todos os sentidos. Não só recoloca o Ira! no protagonismo criativo do rock nacional, como – se tudo der certo – pode marcar uma nova onda de trabalhos relevantes de outros gigantes do rock nacional, convenientemente adormecidos há tempos.
Salve.

 

Ouça primeiro: “Respostas”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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