Manic Street Preachers e a união que faz a força

 

 

Manic Street Preachers – The Ultra Vivid Lament

Gênero: Rock alternativo

Duração: 44:41 min.
Faixas: 11
Produção: Dave Eringa
Gravadora: Columbia

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

“Vivemos tempos orwellianos”. Estes são os Manic Street Preachers em seu primeiro single para este “The Ultra Vivid Lament”, seu 17º álbum de carreira. De fato, vivemos e já não é de hoje. Nicky Wire (baixo e letras), James Dean Bradfield (vocais e guitarra) e Sean Moore (bateria) são cronistas do nosso tempo, críticos da nossa condição humana e do modo como se produz e distribui riqueza no planeta. Os Manics são uma banda politizada, mas nunca panfletária. Sempre fizeram – com mais ênfase a partir do quarto álbum, “Everything Must Go”, de 1996 – uma música que fala direto com os sentimentos do ouvinte, não só os que vão pelo terreno da emoção – amor, ódio, raiva, amizade – mas os que nos definem de modo muito sutil. Familiaridade, saudade, pena, empatia. São totalmente emocionais mas nunca piegas. E, de quebra, oferecem ao seu público verdadeiros livros sonoros toda vez que lançam um disco novo. É aquela típica banda “na qual podemos confiar”, que “sempre vai estar lá” e outras bobeiras que só velhos sentem em relação aos artistas que adoram. É, por fim, como se o trio galês fosse composto por nossos amigos. Como dizia o Chico Buarque na letra de “Meu Caro Amigo”, aqui estão eles nos mandando “notícias frescas nesse disco”.

 

Quem lê este parágrafo inicial pensa que o mais forte dos caras é a capacidade de escrever boas letras, mas está enganado. A liga sonora que compõe as canções dos Manics é forte e diversificada. Abrange influências que vão de Nirvana a Burt Bacharach, New Wave, pós-punk…E neste álbum, o foco está na virada dos anos 1970/80, com especial ênfase a ABBA, Echo And The Bunnymen e Roxy Music. São várias texturas nos arranjos, muitos pianos, guitarras superlativas e vocais maravilhosos de Bradfield. E as letras de Wire são, como dissemos, crônicas de desilusão e constatação de tempos difíceis para todos nós, inclusive para os que não querem/conseguem ver isso. A partir dessa penúria emocional, verdadeira distopia tornada real, torna-se difícil concatenar o passado com presente e futuro, sem falar na quase impossibilidade de amar como costumava ser o amor há até bem pouco tempo.

 

Os Manics vêm numa progressão sonora interessante em seus últimos trabalhos, mas este novo disco quebra uma relação básica entre eles: as composições foram feitas ao piano pela primeira vez. E isso influencia decisivamente a dinâmica sonora e os arranjos. Já na primeira canção, a belíssima e autorreferente “Still Snowing In Sapporo”, que faz alusão à primeira turnê que a banda fez no Japão, em 1993, a mistura de sons gigantescos – guitarras, pianos, teclados e bateria – se choca com a letra intimista e que reflete sobre o transcorrer frenético do tempo. Em “Orwellian”, logo em seguida, em meio a riffs pianísticos que lembram “Waterloo”, do ABBA, ,a banda fala sobre a dificuldade de sabermos quem somos, uma vez que o presente quase nos obriga a abrir mão do que fomos no passado recente, em nome de uma reinvenção que é desnecessária e que não nos leva a lugar nenhum. Estas duas canções funcionam como um cartão de visitas/manual de instruções para o ouvinte. “The Secret He Has Missed”, que tem a participação da vocalista Julia Cumming, alterna a melodia doce e solene com versos como “I’ll be remembered as your brother//All my work adds up to nothing//You ignored the revolutions//They just led you nowhere”. O buraco é mais embaixo com os Manics.

 

E quando você pensa que vem uma canção de amor de casal, o grupo vem com “Don’t Let The Night Divide Us”, em que fala o que todos temos vontade de dizer aos formadores e opinião e influencers vazios de hoje: “Don’t let those boys from Eton//Suggest that we are beaten, no, no, no”. Ou seja, traduzindo livremente, “não deixe esses intelectuais vazios dizerem que estamos derrotados, batidos”. Esta lindeza melódica/lírica está por todos os cantos do álbum. Na leveza de “Into The Waves of Love”, no arranjo que lembra REM em “Complicated Illusions”, no belo dueto com Mark Lanegan em “Blank Diary Entry”, até o final com as belas e surpreendentes “Happy Bored Alone”, com mais guitarras que lembram o REM e “Afterending”, que ressoa o rock britânico da virada dos anos 1970/80, com tristeza e dúvida sobre o presente, mas, de alguma forma, força e fé no futuro.

 

Um disco dos Manic Street Preachers não é só música. É quase um compromisso com uma banda que está na estrada há 30 anos e não arredou um centímetro de suas convicções, sempre procurando novas formas de contar algumas verdades bem antigas. A união faz a força é uma delas. E que iremos vencer no fim é outra. Emocionante.

Ouça primeiro: o disco todo, por favor.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Manic Street Preachers e a união que faz a força

  • 11 de setembro de 2021 em 01:14
    Permalink

    Espetacular em ambas as versões (ouvi a deluxe com demos), um dos melhores trabalhos da banda em letras, ideias e qualidade sonora. Fantástico do início ao fim, é do tipo de setlist que você ouve esperando pela próxima faixa sem desejar que a atual acabe, viagem total!

    Resposta
  • 10 de setembro de 2021 em 18:52
    Permalink

    Que disco!!! Que disco!!!

    O que nos salva desses dias bizarros.

    A arte é revolucionária!!!!!

    Ótima resenha, como sempre.
    Abraços, meu caro Cel.

    Resposta

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *