Lembram do disco do Roberto Justus?

 

As declarações de roberto justus só fazem confirmar o que a gente já sabia. Ele é uma pessoa sem coração. Ele, como grande parte do empresariado brasileiro, acredita que a economia não pode parar por conta do coronavírus. Faz certo sentido, se pensarmos apenas na questão. O problema é o custo que estas pessoas acham “justo” para tal situação. Segundo o empresário paulista, “dez, doze mil mortes não são justificativa pra isso”. “Essa gente vai morrer mesmo, os pobres, os velhos, o pessoal das comunidades”.

 

É um desprezo natural pela vida humana.

 

Quem via justus em suas atrações televisivas já imaginava isso. Ele surgia demitindo, humilhando, escorraçando pessoas. Eram pequenos cultos à sua própria personalidade “empreendedora”. Havia quem gostasse e, por conta disso, ele se tornou uma “celebridade”.

 

A revelação de sua absoluta falta de empatia para com a situação do coronavírus me fez lembrar de um texto que escrevi há treze anos, quando o sujeito decidiu lançar, com a chancela da Sony, um … disco. Daí, tendo o jornalismo como religião, decidi … ouvir o disco. E o fiz. E decidi compartilhar com as pessoas que me liam. Achei por bem ressuscitar o texto e mostrar para quem não o conhece. Está aí embaixo.

 

 

Amigos, amigos, estou ouvindo o disco de Roberto Justus, Só Entre Nós, lançado recentemente pela Sony/BMG. Fico pensando em como o mundo é um lugar interessante e irônico.

 

Justus é um empresário bem sucedido do ramo de comunicação que surgiu para a mídia nos anos 90, após casar-se com a apresentadora de TV Adriane Galisteu. Não deu certo. Depois casou-se com outra loura falante da TV, Eliana, aquela que cantava uma música falando sobre os dedinhos. Não deu certo. Hoje ele é o marido da filha da Garota de Ipanema, Ticiane Pinheiro. Ele também é o CEO do Grupo Newcomm, uma das maiores empresas nacionais no ramo de cases e coisas que versam sobre o assunto comunicação. Imagino que empresas como essa sejam responsáveis pela banalização da comunicação empresarial, pelo anglicanização da publicidade, pela adoção da filosofia de trabalho calcada em palavras e conceitos subjetivos como “empreendedorismo”, “proatividade”, “alavancar negócios”, “target”, “budget”, enfim, pelo teatro de vaidades que existe nesses lugares.

 

Bem, sou intencionalmente leigo nesses aspectos e minhas opiniões podem ser motivo para a criação de um case sobre a desinformação, mas, uma coisa lhes garanto, amigos, eu gosto do Justus não por ser bem sucedido, mas por ser um cara que não tem medo de pagar micos. Seu disco é um mico, um King Kong, um elefante branco tão grande que me atraiu a atenção a ponto de merecer um texto, hum, sério sobre os motivos que o levaram a existir. O homem gravou clássicos do cancioneiro mundial com uma baita cara-de-pau. Uma olhada no site da Saraiva e me deparo com o seguinte textinho sobre o Só Entre Nós:

 

“Em 2007 Justus foi convidado para fazer uma participação no show de um amigo e o que era para ser apenas uma brincadeira acabou se tornando uma coisa séria. Como em todos os seus negócios, Justus colocou todo seu empenho na gravação de seu primeiro CD intitulado “Just Between Us”. Justus produziu uma tiragem limitada de apenas duas mil unidades e o álbum tornou-se objeto de desejo entre seus fãs. Este álbum chega agora pela SONYBMG com seu nome em português Só Entre Nós, mas com o mesmo repertório: os grandes sucessos da musica internacional.”

 

Sentiram a ironia com o título em inglês quase formando o nome JUSTUS? Just Between Us? Viram o tino comercial mambembe para a coisa? Quase posso ver executivos – como os que ele demite em O Aprendiz – pensando nas possibilidades de nomes e imaginando como agradar o homem. Mas existe muita coisa sobre o disco que o mundo precisa – ou não – saber.

 

O repertório avilta e joga na lama do mau gosto momentos de Beatles, Louis Armstrong, Rod Stewart, Elvis Presley, Elton John, Frankie Valli, Nat King Cole, Frank Sinatra, Mamas & Papas, em seus sucessos mais manjados, banalizados e pasteurizados, levados a cabo por uma big band de dez pessoas, comandada pelo “talento musical” de Afonso Nigro, o produtor. Para quem não sabe ou não lembra, Nigro já foi líder do Dominó, famosa boy band brazuca oitentista que grassou na parada de sucesso nacional com canções que escorraçavam a inteligência da nossa juventude. Dizem que Gugu Liberato estava por trás do Dominó, ou vice-versa, enfim, Nigro é o maestro do disco de Justus e executa todas as composições como se fossem uma só.

 

O modelo a ser seguido é daquelas bandas de baile, nas quais o teclado faz a diferença e dá essa impressão de uniformização do mal. Sem noção de arranjo ou interpretação, “Só Entre Nós” flui como um desses eventos de engravatados e emproadas, regado a muita aparência e bebidas espumantes, tudo muito brega e constrangedor.

 

Veja a inclusão de “Perhaps Love” no repertório. Ela figurou num disco obscuro do cantor country John Denver gravado em 1983, mas foi recolocada no mapa como trilha sonora de um comercial no início dos anos 90. Com a participação do tenor espanhol Plácido Domingo na gravação original, “Perhaps Love” é “interpretada” no disco de Justus por Agnaldo Rayol. A sutileza do dueto de Denver e Domingo é transformada num engalfinhamento estético de Justus com Rayol, certamente pensando apenas na objetividade funcional, ou seja, a voz pop e a voz erudita, apenas isso.

 

Em “Tonight’s The Night”, de Rod Stewart, nosso amigo Roberto conta com a participação imperdoável (mais uma) de Paulo Ricardo. Justus deve ter pensado: essa canção é rock, precisa de alguém totalmente rock para dar veracidade à minha interpretação. Paulo Ricardo também participa da execução sumária de “Your Song”, de Elton John. Dizem ainda que os discos American Songbook, de Rod Stewart, serviram de inspiração para o conceito de “Só Entre Nós”. É possível.

 

As primeiras duas mil cópias foram compradas pela Daslu, famosa boutique paulistana para serem dadas como presente para os clientes mais assíduos. O que pensar disso? Você gasta uma fortuna na loja e ganha Justus trucidando clássicos do pop internacional? Anti-marketing? Quem compra na Daslu, conhecida por envolvimentos com sonegação fiscal, talvez mereça mesmo um disco desse quilate.

 

O mau gosto, senhoras e senhores, chegou a um ponto de não retorno. Os conceitos do que é bom e ruim, cool e brega foram levados a um extremo que permite essas situações. Essa gente que pensa e age como se estivesse em outro país, mostra a total incompetência para manifestar-se de uma maneira artística, quando é necessário.

 

É engraçado ver Justus na televisão demitindo as pessoas que participam de seu programa, ainda que ele seja uma versão tupi de “The Apprentice”, show americano que traz Donald Trump como o empresário durão e mauzão. O laquê de Justus é fichinha perto do cabelo aerodinâmico de Trump. Ouvir Justus, entretanto, só como piada. De mau gosto, claro. Um disco do Justus, senhoras e senhores, é a abertura de um buraco negro na música, seja ela pop, rock ou para boi dormir.

 

Só entre nós, tá?

Track list:

– What A Wonderful World

– I’ve Got You Under My Skin

– Unforgettable – dueto com Cathy Justus Fischer

– Yesterday

– Perhaps Love – dueto com Agnaldo Rayol

– Can’t Take My Eyes Off Of You

– Always On My Mind

– Your Song – dueto com Paulo Ricardo

– Tonight’s The Night – dueto com Paulo Ricardo

– Something

– My Way

– California Dreamin’

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “Lembram do disco do Roberto Justus?

  • 2 de maio de 2020 em 02:49
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    Caralho, CEL… me fazendo gargalhar alto em plena madrugada e acordando a patroa aqui do lado! Hahahahahahaha… nunca que eu vou ouvir essa dinamite, mas se ao menos proporcionou esse texto deliciosamente ácido seu, já valeu a pena pro Justus ter pagado o King Kong.

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    • 2 de maio de 2020 em 17:25
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      Este disco é abortivo.

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  • 9 de abril de 2020 em 22:52
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    Trump fora citado no texto sem ninguém ao menos imaginar que anos mais tarde a esse texto ter sido escrito se tornaria o principal chefe de Estado do mundo…

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