A dobra temporal de Avril Lavigne

 


Avril Lavigne – Love Sux

Gênero: Rock alternativo

Duração: 33:36 min.
Faixas: 12
Produção: Travis Barker
Gravadora: Elektra

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Aqui vai uma informação perturbadora para você: Avril Lavigne já está com 38 anos e segue com a mesma aparência que tinha quando surgiu no distante ano de 2002, com seus hits “Complicated” e “Sk8ter Boi”. A cantora e compositora canadense voltou ao disco há três anos, quando lançou o maduro e adulto “Head Above The Water”, um álbum que teve hit até em parada de sucessos gospel, uma vez que marcava o retorno de Avril depois de seis anos, muito por conta de problemas de saúde. Pois bem, quando saiu, “Head…” parecia marcar a chegada da moça a tempos mais serenos e pop em sua carreira, talvez deixando para trás o seu passado roqueiro de butique. Pois bem, este “Love Sux”, sétimo trabalho de Lavigne, dá um cavalo de pau de 180 graus nas previsões feitas há três anos e se apresenta como o provável álbum mais festivo, punk e adolescente da moça, especialmente em termos sonoros. Nem em sua estreia com “Let Go”, Avril soou tão desencanada e a fim de sair por aí simplesmente rockando. Sim, “rockando” é a palavra certa para o que temos aqui, uma vez que não há qualquer intenção de meditar sobre sentidos e significados da vida mais adulta, apenas de refletir sobre a bundamolice dos meninos, as questões sentimentais ingênuas e que se derretem diante da gravidade dos boletos para serem pagos. Por isso, Avril oferece um passaporte para tempos mais fáceis com este disco e sua intenção funciona.

 

Para ser franco, não dá pra saber se há muitas intenções ou planos por trás de “Love Sux”, mas o resultado de suas canções é ótimo. É um disco que não dá espaço para o ouvinte descansar, tudo tem muitas guitarras, riffs, licks, linhas melódicas, tudo saído da boa cabeça de Travis Barker, que também toca bateria nas faixas. Achar, no entanto, que Avril é uma artista congelada num passado de glórias é um erro: ela tem mais de 17 milhões de ouvintes mensais apenas no Spotify, onde os dois singles que antecederam este álbum têm, somados, mais de 50 milhões de streamings. Ou seja, não só os fãs millennials curtem a menina, mas a galerinha mais jovem, que ainda se vê refletida na imagem e nas canções que ela grava. Nada errado nisso, claro, especialmente quando a gente se depara com este disco, que parece deliberadamente feito para abastecer as playlists dos fãs a fim de canções rápidas, com postura definida e inegavelmente conectada com a imagem que Avril começou a erguer lá atrás.

 

Além de Barker, o álbum traz outros convidados. Mark Hoppus, também um ex-Blink 182 , divide com ela “All I Wanted”, um chiclete pop hardcore metade rapidez, metade fofura, que deve funcionar lindamente para meninas chegando nos seus 14, 15 anos de idade. O refrão, o corinho para estádio, a letra raivosa mas romântica, não há erro aqui. Além dele, Machine Gun Kelly, queridinho do momento, também está aqui e arrebenta em “Bois Lie”, que tem inegáveis guitarrinhas pop alternativas, mas uma levada cadenciada que mostra nitidamente a mão de Barker na mistura sonora. E Gun tem a manha, não dá pra negar. O terceiro convidado é blackbear, que participa de “Love When You Hate Me”, uma canção que poderia ter um carimbo lavigniano em sua estrutura e letra. As participações são legais e bem pensadas, mas a estrela aqui é mesmo Avril.

 

Da abertura porradaria de “Cannonball” em diante, ela vai em frente, sem se importar com modismos ou algo que a distraia do objetivo de fazer esse percurso desencanado. A faixa-título é direta e reta, com detalhe de um pianinho tocado ao longo da linha de guitarra, dando um colorido especial. “Bite Me”, com quase 40 milhões de streamings, primeiro single, tem o tempero de guitarras e violões na tradicional levada pop punk que é característica de Avril, apenas para explodir em guitarrinhas no refrão. “Kiss Me Like The World Is Ending” é outra faixa que poderia constar num almanacão de produzir faixas pop punk. Tem bateria vertiginosa, refrãozinho que freia o andamento, guitarras crocantes saltitando aqui e ali e os vocais de Lavigne no ponto exato entre a doçura, a dúvida e a certeza adolescentes. Para não dizer que o álbum não tem uma baladinha, quase no fim está “Dare To Love Me”, nitidamente um freio de mão puxado em meio ao resultado geral de “Love Sux”, mas corrigido em seguida, com a rapidinha “Break Of A Heartache”.

 

Ninguém vai mudar o mundo ouvindo “Love Sux”, especialmente quem já conhece outras bandas, artistas, canções e já viveu algumas decepções aqui e ali. Mas se, por acaso, você ainda estiver molhando os tornozelos nessa lagoa traiçoeira, este disquinho pode ter surpreender, espelhar e, por que não, fazer alguma companhia. Vale a ouvida.

 

Ouça primeiro: “Kiss Me Like The World Is Ending”, “Cannonball”, “Bois Lie”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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