Iggy Pop abre 2023 com bom disco

 

 

 

 

Iggy Pop – Every Loser
11 faixas, 37′
(Atlantic)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

 

Iggy Pop vai completar 77 anos em abril. O sujeito vinha numa fase existencial, traduzida em álbuns, desde 2009, quando lançou “Preliminaires”, trabalho em que ele dizia cansado do rock, especialmente após a morte do ex-compaheiro de Stooges, Ron Asheton, meses antes. Era, portanto, um trabalho em que Iggy brincava de cantar canções próximas do jazz. Depois, com “Aprés”, de 2012, ele mergulhou no âmbito das canções francesas – uma paixão antiga – fazendo várias covers. O reagrupamento com o rock viria em 2016, com o ótimo “Post-Pop Depression”, um trabalho no qual recrutou Josh Homme, do Queens Of The Stone Age, para produzir as canções. Mesmo assim, ainda que voltasse a uma zona de conforto, o tom de Iggy era de inventário de vida, uma espécie de ajuste de contas com o passado e o presente. Depois veio “Free”, de 2019, um trabalho em que Iggy questiona a vida, a mortalidade e tudo mais. Era uma espécie de “You Want It Darker” (álbum póstumo de Leonard Cohen) do velho iguana, mas com ele ainda vivo. Sendo assim, o que fazer depois dessa década contemplativa e questionadora? Ora, um disco de rock, animado, pra cima, cheio de ótimas canções. Assim é “Every Loser”.

 

 

É um trabalho em que o produtor Andrew Watt deve receber, pelo menos, metade do crédito. O cara se especializou em lidar com lendas do rock que teimam em continuar vivas, caso de Ozzy Osborne, pra quem ele produz álbuns há quase uma década. Além disso, Watt é antenado com a modernidade, sabe a importância do pop no rock, já tendo produzido álbuns de Charli XCX, Lana del Rey e Miley Cyrus. Como se não bastasse, é amigo de um monte de gente legal. Sendo assim, não espanta que “Every Loser” tenha tanta gente legal participando, integrantes de bandas como Guns N’ Roses, Jane’s Addiction, blink-182 e até o falecido Taylor Hawkins, em algumas de suas últimas sessões em estúdio.

 

 

O legal de “Every Loser” é que ele é um disco amplo, longe dos cercadinhos estéticos que o “rock de verdade” impõe. Ele tem teclados, guitarras fazendo texturas, boas sacadas de estúdio, ótimos arranjos e, claro, um Iggy meio cansado de ser existencialista, chutando o balde. As letras são porradas na modernidade, seja na exposição das redes sociais (“Comments”), seja no caráter frívolo das pessoas hoje em dia “Strung Out Johnny” ou mesmo na glamurização do termo “punk”, cada vez mais utilizado por gente que bebeu leite com pera no playground (a ótima “Neo Punk”) e ficou riquinha com o passar do tempo. A própria pós-modernidade é atacada frontalmente na virulenta “Modern Day Ripoff”. Quem conhece Iggy, sabe bem como ele é quando está puto com algo.

 

 

“Every Loser” tem uma trinca de canções muito boas. O single “Strung Out Johnny” é uma espécie de mescla perfeita entre timbres de teclado quase new wave e o rock mais funcional, com solos de guitarra e linearidade melódica. O resultado é ótimo. Igualmente sensacional é “Comments”, que tem timbres guitarrísticos maravilhosos, dinâmica e questionamentos sobre a validade – ou não – de comentários feitos em redes sociais. A letra crítica parece ir vencendo a melodia – a princípio, doce – resultando numa porradaria/gritaria sensacional mais para o fim. E tem a maravilhosa e stoniana “All The Way Down”, que nasceu para tocar no rádio e virar hit mundial, se nós ainda estivéssemos usando estes parâmetros para medir uma baita de uma canção rock. E ela é.

 

 

“Every Loser” é um disco nota oito clássico. Não vai mudar sua vida, mas, se Iggy Pop morrer amanhã – bate na madeira – estaria muito bem representado por ele. Simples, direto, virtuoso, bem produzido, se não tivesse dois interlúdios enchedores de linguiça, receberia mais um ponto. Ouça sem medo.

 

 

Ouça primeiro: “Comments”, “All The Way Down”, “Strung Out Johnny”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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