Gladiador II é uma pororoca insana e divertida
Eu confesso que não esperava nada de “Gladiador 2”. Mesmo com Ridley Scott assinando a direção e produzindo, pensava ser impossível reeditar a glória heroica do primeiro filme, lançado em 2000, responsável pelo surgimento de Russell Crowe como um ator do primeiro time. Me enganei, felizmente. Esta sequência é divertidíssima, bem feita, tem um elenco tão bom quanto o primeiro longa e efeitos especiais de cair o queixo, ampliando de forma digna a trama original. Quer dizer, com uma liberdade calculada para uma sucessão de situações impressionantes e grandiosas, que deixam o espectador boquiaberto e duvidando da sua veracidade, mas, assim como o primeiro “Gladiador”, essa sequência tem estofo histórico e mostra com detalhes impressionantes a Roma do início do século III, quando os imperadores gêmeos Geta e Caracalla governaram o império.
A história é vinculada diretamente às ações finais do primeiro filme, portanto, ainda que seja incomum alguém se interessar por “Gladiador II” sem ter visto o anterior, fica o alerta de spoiler a partir daqui. Após a morte de Maximus, no encerramento do longa passado, Lucius, filho de Lucilla, se torna o herdeiro do império. Diante do risco iminente de assassinato por conta disso, sua mãe trata de esconder a criança bem longe dali. É justamente essa história que dará espaço para as novas ações. Roma está ainda mais decadente e mais belicosa sob o comando dos gêmeos, criaturas tão crueis que fazem de Commodus, o sinistro personagem de Joaquin Phoenix no primeiro “Gladiador”, um escoteiro-mirim. É uma dessas campanhas que vemos logo na abertura, quando as naus romanas, sob o comando do General Acacius (Pedro Pascal) atacaram a província africana da Numídia (região onde hoje está a Argélia e parte da Tunísia) e devastam o lugar. Logo conhecemos o misterioso Hanno (Paul Mescal), que luta ao lado dos numidas, logo capturado e, a exemplo do que acontece com Maximus no longa anterior, levado para um traficante de gladiadores, Macrimus, vivido por um explosivo e incontrolável Denzel Washington.
Em pouco tempo veremos que Hanno, na verdade, é o sumido Lucius e toda sua história rocambolesca será contada na medida em que ele começa a chamar a atenção como gladiador. Movido pela fúria, pelo rancor e pelo desejo de vingança, ele irá longe em busca de justiça, não só para ele, mas para sua esposa, Arishat (Yuval Gonen), morta em combate. A partir daí, muito da intriga palaciana e das conspirações que marcaram o primeiro filme têm lugar, mas de um jeito muito mais amplo, com destaque para a crescente maldade que o personagem de Denzel vai apresentando, à medida em que vai escalando os degraus do poder. A Roma que Scott mostra aqui é, ao mesmo tempo, mais opulenta e grandiosa, mas igualmente corrupta e decadente. Não faltam menções ao mau cheiro da cidade e aparições de todo tipo de pedinte, faminto e desgraçado, mostrando que o império de Geta e Caracalla, movido pelo delírio belicista, é injusto, desigual e corrompido. Há muitas menções à Roma como sendo uma “terra para os iguais, abrigo para os necessitados”, numa clara referência ao ideal da América como sendo a “terra das oportunidades”. A certa altura, o personagem de Denzel diz que “somente em Roma um gladiador teria chances de matar um general”.
O elenco é o forte do filme. Paul Mescal, que vem ganhando notoriedade a partir de filmes independentes como “Aftersun”, se mostra à vontade numa superprodução multimilionária. Seu Lucius/Hanno é amargurado, duro e implacável, mas muda de ideia muito rápido à medida em que conhece detalhes sobre as intrigas do poder. O Macrimus de Denzel Washington é o grande atrativo do filme. Ele compõe um personagem que vai se mostrando impiedoso e terrível à medida em que a trama avança, chegando num ponto inacreditável nas cenas finais. Lembra alguns lampejos de “Dia do Treinamento” (2002), quando o ator venceu o Oscar de Melhor Ator ao interpretar um vilão terrível, personificando um policial corrupto e degenerado. Seu Macrimus é mais caricato e shakespeariano, mas talvez ainda mais cruel. Pedro Pascal, que é bom ator, está apenas ok como Acacius e a dupla Joseph Quinn e Fred Hechinger, que vive Geta e Caracalla, respectivamente, se inspirou em Johnny Rotten para encarnar seus personagens. Funciona e gera repulsa total.
“Gladiador II” é tão sensacional quanto o primeiro, só que de outra forma. Seu mérito está no abraço ao exagero e na falta de vergonha de testar os limites do estômago do espectador diante de tanto sangue, maldade e desgraça. Se o filme anterior era mais “nobre” em sua história, este, ainda que tenha isso, é mais virulento, egóico, psicodélico e louco. Eu não esperava isso e adorei. Não percam.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.