Anitta – muitas versões, pouca identidade

 

 

Anitta – Versions Of Me

Gênero: Pop

Duração: 43:54 min
Faixas: 15
Produção: Ryan Tedder
Gravadora: Warner

2.5 out of 5 stars (2,5 / 5)

 

 

Saiu ontem o quinto álbum da Anitta, “Versions Of Me”. Sabemos bem que a cantora carioca divide opiniões de forma inflamada – enquanto muitos a acham lamentável, tanto pessoal quanto musicalmente, outro tanto chega a vibrar com suas conquistas e ascensão no estrelato pop mundial como se ela fosse integrante de suas famílias. Além disso, este grupo simpatizante consegue reconhecer os méritos que Anitta tem de sobra – é boa cantora, é estudiosa, procura se aprimorar e, mais que tudo, formadora de opinião e empresária de muito sucesso. Em termos musicais, no entanto, “Versions Of Me” expõe uma questão cultural que incide sempre sobre os artistas que tentam fazer sucesso global – como lidar com o mercado norte-americano. É ele que dita as normas a serem seguidas para atingir este patamar que Anitta já chegou (a faixa de abertura, “Envolver”, beliscou o primeiro lugar global de plays no Spotify) e, quando o artista não exibe os traços e herança culturais aceitáveis, certamente será colocado na prateleira de “exóticos” ou, mais recentemente, de latinos. Ou seja, para chegar neste nível, Anitta tem que atender a estas normas e, como boa negociante que é, conseguiu se enquadrar sem problemas aparentes. “Versions Of Me” tem produção industrial com o mais alto padrão possível, cortesia do produtor executivo Ryan Tedder e mais um contingente enorme de colaboradores que, juntos, formariam uns quatro times na pelada do fim de semana lá em Honório Gurgel. Será?

 

O “problema” – e talvez isso só incomode a nós, brasileiros que gostamos da Anitta, é que, para fazer este movimento em direção a um parâmetro de sucesso mundial, Anitta deixou escorrer por suas mãos as características que a fizeram chegar até aqui. Sai de cena a menina do subúrbio carioca, gestada no universo dos bailes funk do Rio e entra este mulherão cheio de autoconfiança e sucesso. Claro que os fãs mais dedicados dela irão contestar isso, mas é um fato que a riqueza e o tempero artístico de Anitta reside, justamente, na tensão entre este universo inicial de influências e esta nova onda latina à qual ela foi se integrando aos poucos, já de olho nos passos que daria entre os gigantes. Certo que até o título do álbum joga com esta questão – “Versions Of Me”, na verdade, tem muito mais “versões” importadas de Anitta do que estamos acostumados a ver. E, bem, outra questão decisiva neste mercado ultrapop global é que, para fazer parte dele, é preciso aderir ao som sintetizado e monótono da fabricação em massa. E não é concebível discorrer sobre outro tema que não passe por uma visão hedonista de mundo e vida, num looping de eterna juventude sobre-humana. Não há vulnerabilidade, não há fraqueza, não há … amor ou outro sentimento. É tudo muito rápido e muito impessoal, como dita o mercado.

 

Sendo assim, Anitta, mais do que independente e resolvida, soa como se fizesse todas as concessões que o mercado espera dela, abrindo mão de traços importantes de sua obra para aderir a um padrão. Se deixarmos de lado esta questão – que me parece muito importante, “Versions Of Me” é um disco totalmente internacional, fora alguns poucos detalhes. Alguns deles, inclusive, são apropriações gringas de elementos, hum, clássicos da música nacional, como “Girl From Rio”, que foi lançada em single no ano passado e dividiu opiniões, especialmente por conta de seu clipe, no qual Anitta aparecia no Piscinão de Ramos com uma galera. Além de outros singles, “Envolver” e a ótima “Boys Don’t Cry” (que é, por sua vez, um aceno gentil ao pop americano à la Miley Cyrus), o álbum não tem canções com o mesmo poder. A exceção é “Gata”, que tem colaboração do cantor porto-riquenho Chancho e tangencia ritmos caribenhos moderníssimos, entre eles, o dembow. Talvez seja até mesmo o melhor momento do álbum.

 

De resto, Anitta divide “Versions Of Me” em um setor que visa agradar o público branco americano e europeu e um outro, que visa o mercado latino. Em comum os temas que já mencionamos acima, que tiram a cantora do universo das pessoas comuns e a colocam num Olimpo de perfeição e invulnerabilidade. No meio do caminho, participações com Ty Dolla Sign, Cardi B, YG, Saweetie e, na única canção que lembra um pouco suas origens, Anitta ressuscita Mr Catra e inclui Kevin O Chris em “Que Rabão”. Esta talvez seja a única que poderia estar em algum disco pregresso dela, porém, depois de um monte de faixas sobre rabo, trepada, tesão, sinceramente, por mais que a gente goste muito de tudo isso, confesso que cansa. E demais.

 

“Versions Of Me” reflete um desafio para a carreira de Anitta: escolher qual identidade que vai assumir e a qual mercado vai querer agradar. Talento e tino, a gente sabe que ela tem. Agora precisa tentar se impor e infusionar brasilidades neste som padrão importação. Ela só tem a ganhar.

 

 

Ouça primeiro: “Boys Don’t Cry”, “Gata”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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