Aconteceu: resenhamos Linkin Park
Linkin Park – From Zero
32′, 11 faixas
(Warner)
O fã brasileiro do Linkin Park deve estar exultante. A banda americana, que volta de um hiato de sete anos, com nova formação, sobe ao palco do Allianz Parque amanhã e depois, justo na hora exata em que seu novo álbum, “From Zero”, entrará oficialmente nos serviços de streaming globais. Claro que a parcela mais exacerbada dessa gente já terá ouvido as onze faixas do disco – devidamente vazadas na Internet – e mais ainda: já terá formado a sua opinião sobre essa nova fase da banda, que conta com a chegada de um novo baterista – Colin Brittain – e a presença da vocalista Emily Armstrong ocupando o espaço de Chester Bennington, tragicamente morto em 2017. O fato é que, ao que tudo indica, este novo momento parece significar, de fato, uma renovação da sonoridade e da atitude do LP em direção a um som mais pesado e guitarreiro. Esta resenha, que foi um pedido dos leitores, tentará ser justa, mesmo avisando de imediato que o Linkin Park é uma banda na qual não enxergamos qualquer valor. Pelo contrário, a gente detesta mesmo. A proposta de diluição do abominável nu-metal do fim dos anos 1990, levada pelo grupo em sua estreia, “Hybrid Theory” (2000) e no álbum seguinte, “Meteora” (2003), deu origem a um zumbi parte eletrônico de shopping center, parte boy band mutante invocadinha, parte lenga-lenga de estádio para uma galerinha revoltada porque não comprou o IPhone 16 no dia do lançamento. Uma receita milionária, midiática e, ainda por cima, responsável direta pelo surgimento de toda uma linhagem de bandas terríveis tipo Bring Me The Horizon, Thirty Seconds To Mars, Twenty-One Pilots e por aí vai. E isso a gente não esquece. Mesmo assim, vamos analisar este “From Zero”.
O Linkin Park sempre foi um grupo com boa visão de mercado. Enxergou um público que não era exatamente contemplado pelo som de gente como Korn, Deftones ou Slipknot ainda no fim dos anos 1990 e mesclou a atitude, a indumentária e o momentum com canções que desfilavam revolta comportada e esteticamente aceitável. Além disso, captou detalhes importantes da atitude/sonoridade de gente como Five ou N’Sync, e incorporou tudo num salsichão sonoro de fácil aceitação. A isso some-se o tino comercial da Warner, que adotou a banda e incentivou a criação de clipes espertos para fornecer uma imagem épica para as canções e, voilá. Um novo ídolo para uma massa de gente que era delicada demais para o Korn, mas talvez meio áspera para balançar os quadris com “Bye Bye Bye”. É verdade que este momento inicial durou poucos anos e, já no terceiro álbum, o grupo perdeu o pouco rumo que tinha. Lembro de, na época, associar a dinâmica vocal da banda, baseada na alterância dos “raps” de Mike Shinoda com a voz treinada de Chester Bennington ao sensacional Sampa Crew, formação da perifa paulistana, que tinha a mesma mudança de voz rappeada e voz doce, empostada. Posso estar errado, claro.
Se este início do LP já era ruim, foi entre 2007 e 2017 que o grupo lançou álbuns ainda piores em que perdeu o rumo e tentou mudanças estéticas que não foram bem sucedidas. Mesmo assim, os fãs continuaram ouvindo e lotando os shows, enquanto a sonoridade do grupo ficava datada. Em 2024 soa meio patético misturar vocais rapeados com timbres mais agudos, viscerais, e até mesmo os referidos grupos de proveta mencionados acima, cuja paternidade a gente atribui ao LP, já encontraram soluções menos velhuscas, mas igualmente ruins. Mesmo sendo um álbum que, provavelmente, a gente não irá escutar nunca mais, “From Zero”, parece, sim, um novo momento. A chegada de Brittain, bom baterista, com habilidade suficiente para dinamizar os andamentos das canções e, sobretudo, de Emily, boa e engajada na proposta sonora do grupo, dão espaço para que muito seja transformado. Veja, não se trata da reinvenção da roda, mas é palpável a sensação de vigor e disposição já na faixa que puxou este disco, “The Emptiness Machine”, com respeitáveis 254 milhões de audições só no Spotify.
O fã ocasional de rock tende a gostar e até gente mais especializada irá defender pontos como “é corajoso colocar uma vocalista mulher” ou “a sonoridade do Mike Shinoda – guitarrista, vocalista, rapper – é digna” ou ainda “é rock para grandes espaços e para fãs”. Não estarão erradas. É notável a objetividade do disco, com 32 minutos divididos em dez faixas e uma introdução picareta e sem sentido, que dura menos de meio minuto. Se “Emptiness…” não lembra em nada o que o grupo fez anteriormente, “Heavy Is The Crown”, já é o contrário, com a lenga-lenga de Shinoda intercalada pelas explosões vocais de Emily que, de cara, é muito mais vocalista do que Bennington jamais foi. “Over Each Other”, por sua vez, é uma canção mais soturna e crescente, que consegue criar um clima interessante para chegar num bom refrão. Já em “Casuality”, Emily mostra do que é capaz, com uma boa levada construída pelo grupo em anda-e-para. E “Two Faced”, o novíssimo single, aposta na alternância de vocais, mas de um jeito ligeiramente – e melhor – que o habitual da banda.
O saldo final é digno e deveria manter os fãs esperançosos. A existência de uma boa parcela deles renegando o álbum e a nova fase da banda, no fim das contas, aponta para tempos melhores. Não ficaremos para ver.
Ouça primeiro: “The Emptiness Machine”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.