Dois Quadrinhos para o novo Batman

 

 

Matt Reeves, o sujeito que renovou a franquia de Planeta dos Macacos no cinema, apresenta agora seu outro projeto com um protagonista atormentado e genial. O novo filme do morcegão, simplesmente batizado Batman (com o The no título original), se lambuza nos aspectos mais sombrios e carregados da história do personagem.

 

A trama se passa no segundo ano de atividade do homem-morcego, ainda em busca da sintonia entre seus desejos e suas ações. E finca inspiração em alguns arcos clássicos dos quadrinhos, como a origem relida Ano Um e a série de mistério O Longo Dia das Bruxas.

 

Uma novidade que o longa traz – inclusive para os filmes de super-heróis como gênero – é a narração em off, comum nos policiais noir clássicos. Em Ano Um, de Frank Miller e David Mazzucchelli, publicada pela primeira vez em 1987, a história é toda conduzida pelos monólogos internos dos dois personagens principais, Bruce Wayne/Batman e o (então) tenente James Gordon. Ambos dedicados a manter a cabeça acima da água da corrupção que inunda Gotham City.

 

Miller foi incumbido pela DC Comics a recontar com arrojos modernos a origem e os primeiros passos do Batman. O roteiro saiu seco, uma história policial que, por acaso, conta com um elemento travestido de morcego. A cidade é cinzenta e deprimente, deixando claro para seus cidadãos que as escolhas são poucas – adesão ao sistema ou a expulsão definitiva dele.

 

Os traços detalhistas de Mazzucchelli garantem nossos pés no chão pelo curso da história, conferindo um realismo raro nos gibis de heróis. Aqui o Batman erra, mais de uma vez, até finalmente encontrar o ponto exato do vigilante que quer se tornar. De Ano Um o novo longa herdou o processo de formação do herói, parte do perfil de Gordon, e elementos da origem da Mulher-Gato que nunca foram citados em produções fora dos quadrinhos – e que os próprios quadrinhos deixaram de lado muitas vezes.

 

Não é difícil encaixar o filme numa linha do tempo imaginária e particular, onde ele seria uma continuação direta da história contada em Ano Um.

 

Reeves está sendo celebrado por finalmente apresentar um aspecto do Batman muito negligenciado pelos filmes. O maior detetive do mundo, um dos muitos títulos que ele possui nas HQs, investiga pouco, quase nada, nas telas de cinema. Batman, o longa, investe no herói detetivesco, indagador, se beneficiando muito da escolha do vilão Charada como antagonista, obcecado como é por pistas e jogos de ideias.

 

O Batman detetive está em outra inspiração do filme, a mini-série O Longo Dia das Bruxas, publicada pela primeira vez entre 1996 e 1997, com roteiros de Jeph Loeb e arte de Tim Sale. Apesar de mais recente no cânone do morcego, ela fez tanto sucesso que rapidamente se tornou uma referência para as inúmeras iterações do Batman. Christopher Nolan, por exemplo, a usou como ingrediente no período em que comandou a franquia. A história conta a perseguição ao assassino “Feriado”, um serial killer que elimina figuras-chave nas esferas do crime e do poder em Gotham City, em datas festivas e feriados, lançando o Batman e a força policial numa corrida para descobrir sua identidade e interromper a onda de mortes.

 

O Longo Dia das Bruxas escancara suas inspirações noir nos desenhos estilizados de Tim Sale, com cenários, roupas e design dos personagens tipicamente retrôs. Batman também está no início de sua carreira aqui, embora um tanto mais experiente, e junta pistas ao longo das edições para a solução do mistério. Um quadrinho policial e investigativo. A história teve uma continuação direta, Vitória Sombria, em 1999, dos mesmos autores. E uma “continuação” espiritual, Silêncio, com Jim Lee no lugar de Sale, dando vida ao texto de Jeph Loeb.

 

Sem estragar surpresas, um tanto da estrutura de O Longo Dia das Bruxas se costura no novo filme, o Batman (finalmente) detetive é uma adição bem-vinda – e já atrasada – e o Charada cumpre bem o papel de adversário perigoso e obssessivo.

 

As duas histórias que referenciamos aqui são parte da receita que Matt Reeves mexeu para fazer o novo Batman, ao lado de muitas outras que completam o mosaico do homem-morcego. Por serem clássicos, ambos os arcos são fáceis de encontrar por aí e são acompanhamentos ideais para petiscar antes ou depois do filme.

Fabio Luiz Oliveira

Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com

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