Decemberists ressurge com a mesma graça de seus melhores momentos
The Decemberists – As It Ever Was, So It Will Be Again
67′, 13 faixas
(Thirty Tigers)

Depois de seis anos, temos o retorno de uma das bandas mais interessantes surgidas no início dos anos 2000. E temos, além disso, uma mudança de chave importante para quem lançou quatro álbuns – um deles ao vivo – entre 2011 e 2018, buscando nitidamente uma acessibilidade maior ao seu som. Para quem não lembra ou nunca ouviu falar dos Decemberists, de Portland, seu líder, Colin Meloy, foi o responsável pelo surgimento e divulgação de um folk rock literato e inspirado em elementos da música tradicional americana que remontam a formas bem antigas de música popular, vindas dos séculos 18 e 19, pelo menos. Além disso, até 2009, quando lançaram o terceiro álbum, “Hazards Of Love”, o Decemberists misturou esse folk tradicional com elementos até progressivos, obtendo resultados interessantes e formando um público crescente e fiel. O trabalho seguinte, “The King Is Dead”, de 2011, já entregava a mudança no título e a banda foi abraçando sonoridades novas, que vinham tanto de abordagens com sintetizadores e levadas mais rápidas, passando até por pop songs com inspirações soul clássicas. Deu certo, mas só até certo ponto. O trabalho anterior a este, “I’ll Be Your Girl”, de 2018, mostrava um esgotamento neste formato mais arejado e o grupo sumiu nas sombras, num hiato por tempo indeterminado. O surgimento deste novo – e ótimo – “As It Ever Was, So It Will Be Again”, já anuncia a retomada da carreira e da musicalidade do início do milênio.
Além dessa mudança sonora, o Decemberists foi atingido em cheio pela pandemia. Quando planejava fazer uma turnê comemorativa de vinte anos de carreira, que duraria os anos de 2020 e 2021, o cenário do confinamento fez com que todo e qualquer plano fosse cancelado. Meloy e sua turma celebraram as duas décadas de atividade com uma série de lives transmitidas pelas redes sociais em abril de 2021 e, assim que foi possível, em agosto de 2022, foi pra estrada. A volta aos palcos e a fome de shows reacendeu a vontade de compor novas canções e, pouco mais de um ano depois, em setembro de 2023, o grupo já estava trabalhando em novas faixas e no conceito do novíssimo trabalho, que começou a se materializar com o single “Burial Ground”, que chegou nas plataformas de streaming em fevereiro deste ano, com a simpática participação de James Mercer, cérebro de uma outra banda legal dos anos 2000, The Shins. A canção já dava pistas sobre a lindeza que estava por vir, usando timbres imaculados de guitarra à la Byrds e uma sonoridade que lembrava bastante o REM mais brando de discos como “Out Of Time”, de 1991.
A partir daí, o grupo começou a soltar singles interessantes para chamar a atenção do público. Vieram a latina e interessante “Oh, No”, a belíssima e acústica “All I Want Is You” e a épica progressiva “Joan In The Garden”, que ostenta mais de dezenove minutos de duração e leva o ouvinte para várias viagens paralelas e interessantes através de um riff que é martelado insistentemente e que vai conduzindo a canção muito além do alcance. Além delas, “As It Ever Was…” é cheio de ótimas faixas e consegue misturar muito bem a fidelididade estética ao combo de influências que tornou o grupo conhecido e amado a um elemento pop acessível que funciona lindamente em todos os momentos. Mesmo numa canção como “William Fitzwilliam”, acústica e cheia de referências poéticas e intrincadas, a melodia urdida por Meloy e seu jeito de cantar tornam a audição interessante até para quem não tem todos os referenciais necessários à mão.
E quanto a este elemento pop, na verdade, uma fluência rock que permeia grande parte do álbum, tudo é ótimo. Há momentos realmente bacanas, como a mais crua “Born To The Morning”, cheia de guitarrinhas um pouco mais pesadas do que o resto. Em “Long White Veil” o ouvinte tem certeza de que está ouvindo Tom Petty And The Heartbreakers, mas os vocais de Meloy, realmente inspirados nos melhores momentos de Michael Stipe, preenchem os espaços com propriedade. Os momentos mais intensos surgem em “The Reapers”, com um andamento cíclico muito bem pensado e na belíssima “The Black Maria”, que surge como uma história contada para assustar crianças que não cumprem suas tarefas. Em “America Made Me” há uma concessão ao clima solar e meio beachboyano, com pianos conduzindo a melodia e o arranjo, abrindo caminho para a trinca final de canções: “Tell Me What’s On Your Mind”, minha preferida pessoal, psicodélica, surpreendente e com arranjo de metais e órgãos pontuando a melodia; “Never Satisfied”, que eletroacústica e climática e a já mencionada “Joan In The Garden”, com sua duração imensa, cheia de mistérios.
“As It Ever Was, So It Will Be Again” é um discaço. É legal ver uma banda lançando seu nono álbum com disposição para renovar seu som, ou melhor, recuperar suas características originais sem perder de vista o momento atual. Não há nostalgia ou tempo perdido ao longo das treze faixas. Escolha a sua preferida e caia dentro.
Ouça primeiro: “The Black Maria”, “All I Want Is You”, “Long White Veil”, “The Reapers”, “America Made Me”, “Tell Me What’s On Your Mind”

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.