Paternidade e realidade rock ao mesmo tempo

 

 

 

 

 

Sadler Vaden – Dad Rock
34′, 8 faixas
(Thirty Tigers)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Por mais que a gente lide com a informação sobre música pop, não há como dar conta de tudo. Muito menos se você é um sujeito teimoso, na meia idade, vivendo num país despriviligiado como é o Brasil de 2024 no que diz respeito à informação além da mirrada dieta que a mídia nacional acha por bem oferecer. Sendo assim, essa é a minha principal justificativa para não ter ouvido falar de Sadler Vaden até agora. Soube há pouco que ele, além da carreira solo, tem um importante papel como membro da banda 400 Units, que acompanha o ótimo trovador americano Jason Isbell. Mas não justifica. Sendo assim e já pedindo perdão ao leitor, me redimo da desinformação trazendo notícias sobre o mais recente – e ótimo – trabalho de Vaden, o álbum “Dad Rock”. Antes que alguém critique, o título é um trocadilho multidisciplinar com a paternidade e a arte de seguir acreditando no classic rock como meio de vida e inspiração artística. Não é, necessariamente, um álbum de música banal para adultos, que tem ganho o rótulo “dad rock” por aí. “A banda que seu pai gosta” e você não. Aqui o terreno é outro.

 

E como é. Sadler é desses guitarristas e ratos de estúdio, tendo aprendido a produzir discos de forma totalmente natural. Ele incorporou essa habilidade/sensibilidade à sua própria maneira de tocar e compor, conferindo mais densidade ao que faz. Com “Dad Rock”, Vaden chega à marca do quarto álbum na carreira, mas é possível afirmar que este é um disco bem diferente dos anteriores. Em 2020, quando registrou o álbum anterior, “Anybody Out There?”, Sadler adentrava a pandemia da covid-19 e se entocou em casa com a esposa. De lá pra cá, o casal teve dois filhos e, em meio às exigências do confinamento e da paternidade, Sadler se viu imerso numa roda-viva de alternância entre fraldas, papinhas, guitarra e estúdio, num movimento que terminou por transformar completamente sua maneira de enxergar o mundo e expressar-se. O motivo de registrar as canções que compõem “Dad Rock” é, justamente, o de constatar como as mudanças advindas da paternidade agiram em sua forma de ver o mundo e, a partir daí, em sua própria sensibilidade. Parece piegas mas está longe disso.

 

Quer dizer, as faixas do álbum são, cada uma à sua maneira, emocionantes por conta da absoluta sinceridade que contém. E mais: elas são ótimos exemplares de facetas distintas – e complementares – desse amálgama folk, power, pop, rock anglo-americano que existe dos anos 1970 para cá e que já nos deu tanta gente boa. Falando nisso, participam de “Dad Rock” gente bacana como o tecladista Benmont Tench (que fez parte dos Heartbreakers, de Tom Petty), Elliot Easton (dos Cars) e Julian Dorio (baterista do The Whigs). Essa gente, devidamente junta e motivada – são todos pais e rockers à sua maneira – deu uma liga muito forte e esse clima de camaradagem influencia positivamente o conceito que amarra o disco. Vaden não fala apenas sobre a dificuldade/prazer de ser pai, mas sobre como isso afeta a quem vive na estrada e não é multimilionário, cheio de recursos para criar filhos e tal. É gente que rala.

 

Não há desperdício nas oito faixas de “Dad Rock”. Desde o início, com a bela “Townsend’s Theme”, em homenagem ao filho mais velho, que dá nome à canção, Vaden enfileira belezuras em forma de canções perfeitinhas e aerodinâmicas. “Dove”, logo em seguida, tem vocais agudos e meio gritados, que caem muito bem no instrumental esparso, porém guitarreiro, enquanto os instrumentos vão entrando aos poucos e tudo vai mudando. Quando chega a terceira – e absurdamente bela – faixa, “The New You”, que parece uma balada de Paul McCartney fase 1971, o ouvinte já está fisgado. Daí ele vai cair no rockão encrespado que é “Staying Alive”, que lembra muito Tom Petty, um clima que se mantém na canção seguinte, “Holes”. A trinca final é de arrancar o coração do peito, começando com a springsteeniana “The Rescuer” – que tem um naipe de metais em brasa no arranjo – , chegando na lírica “I’ll Always Come Back” (que lembra John Lennon enquanto fala sobre a certeza de que ele voltará para a família e os filhos após cada turnê) e na impressionante “Two Ballons”, que fecha o disco com a impressão de que ouvimos algo de Chris Bell.

 

“Dad Rock” é um desses pequenos álbuns sem muita pretensão, mas que podem mudar o dia de alguém. Ouvir suas canções com o mínimo de calma, entendendo o contexto e apreciando letra e arranjo, certamente trará belezuras e fofuras para o ouvinte, seja pai, mãe, pãe ou o que for. É sentimento puro, é o que precisamos hoje. Conheçam.

 

Ouçam primeiro: tudo.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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