Paul McCartney 82: Eu e “Goodnight Tonight”

 

 

Paul McCartney está celebrando 82 anos hoje, dia 18 de junho de 2024. Geminiano, imorrível, imparável, importantíssimo para a cultura do século 20 (e 21), Paul é, sem dúvidas, o maior compositor pop do nosso tempo ainda em atividade. Há poucos dias ele anunciou shows em países da América do Sul. Há menos de seis meses, o homem estava aqui, no Brasil, se apresentando em vários lugares do país. Seu show no Maracanã, o primeiro desde que estreiou em shows por aqui, em 1990. Ele é um habituê dos palcos, em constante atividade também fora deles, produzindo álbuns regularmente, repensando sua carreira, colaborando com artistas atuais, Paul é um espírito livre e criativo que se recusa a enferrujar. Multimilionário e totalmente realizado em sua carreira e vida pessoal, ele poderia, simplesmente, se aposentar. Mas não. Ele ama tudo isso, não deve conseguir existir sem ser desse jeito e segue firme, enquanto seu corpo permite o esforço das viagens, deslocamentos e apresentações de mais de duas horas em algum lugar do planeta. Mas, nem sempre foi assim.

 

Houve tempo em que Paul era mais jovem. Não me refiro ao seu período com os Beatles, mas, justamente, no tempo que veio em seguida. Imagine ser um dos líderes da maior banda de rock da história e, depois, simplesmente, não ser mais. Ainda que ele tenha sido o porta-voz do fim do grupo e demonstrado um certo alívio quando seus compromissos com a banda encerraram, deve ter sido, no mínimo, curioso, recomeçar, dessa vez como artista solo. Vieram os primeiros registros – “McCartney” (1970) e “Ram” (1971). Depois, em 1973, Paul estava a bordo dos Wings, banda que montou com sua mulher na época, Linda McCartney, e seu amigo Denny Laine, ex-integrante dos Mood Blues. Com este núcleo tripartite, acrescido de músicos que vieram e foram, o grupo entabulou uma carreira regular e vitoriosa, com trabalhos importantíssimos como “Band On The Run” (1973) e “Wings At The Speed Of Sound” (1976), com direito a uma turnê coast to coast nos Estados Unidos, que gerou o álbum triplo ao vivo “Wings Over America” e o documentário “Rockshow” no mesmo ano. Ali, mesmo em total sintonia com a música que era feita no mundo à epoca, Paul fez as pazes com seu legado beatle pela primeira vez e incluiu várias canções dos Fab 4 em seus setlists da turnê.

 

Mas ele seguiu fazendo música procurando ser o mais distante de um artista que vive da nostalgia. Dos seus ex-companheiros, Paul foi o que mais conseguiu escapar dos limites beatle, fazendo música que chegou a ser new wave, folk e … disco. E é aí que entra o Carlos Eduardo de nove anos de idade, morador de uma Copacabana que não existe mais. Em 1979, Paul se preparava para lançar um novo álbum com os Wings, que seria “Back To The Egg”. Ninguém imaginava, mas seria o último registro da “ideia” Wings e, de 1980 em diante, ele seguiria sozinho. Mas, em 1979, Paul gravou uma faixa instrumental que parecia muito diferente do que fazia com seus companheiros. Na verdade, remontava um pouco a alguns elementos que ele usara em “At The Speed Of Sound”, especialmente na canção “Silly Love Songs”, na qual ele imprimira um inegável sabor “disco music”. Explica-se: era o momento em que o ritmo que tomaria o planeta de assalto a partir de 1977 estava prestes a explodir. Os Bee Gees, que seriam a ponta de lança dessa massificação do estilo a bordo da trilha sonora do longa “Embalos de Sábado à Noite”, já haviam dado o primeiro passo nessa direção, lançando o álbum “Children Of The World”, também em 1976. Ou seja, a disco music estava no ar.

 

Se era assim em 1976/77, em 1979 o estilo ainda dominava as paradas de sucesso globais, mas em pouco tempo estaria datado e esquecido. Paul então teve a sacada de transformar o instrumental baixo e bateria (ambos tocados por ele) em uma canção propriamente dita. Acrescentou letras, levou para os Wings no estúdio e, voilá, nasceu “Goodnight Tonight”. Após o resultado das gravações, Paul decidiu não incluí-la em “Back To The Egg”, sentenciando a canção a ser um “non-album single”. E assim foi. Em algum ponto do primeiro semestre de 1979, as rádios do Rio, Tamoio AM e Mundial AM à frente, a colocaram na programação normal. Certamente ela foi parar no rádio de pilha que minha mãe tinha na sala de casa e, deve ter sido amor à primeira audição. De fato, o arranjo é irresistível: há um baixo gordo e proeminente que conduz tudo, enquanto guitarrinhas oscilam levadas simples com arroubos flamencos e vocais misteriosos alternam a letra com outros trechos. E há muita percussão sobre a bateria – que Paul toca também no registro oficial – a cargo de Steve Holley, que havia entrado nos Wings em 1978 e, após o fim da banda, seria o bateria da estreia solo de Julian Lennon, em 1984.

 

 

Pois bem. “Goodnight Tonight” saiu em compacto no Brasil. Eu lembro que ela, ao lado de “Last Train To London”, da Electric Light Orchestra, e “Look At Her”, de Barry White, todas lançadas entre 1978 e 1979, eram a minha, digamos, “santíssima trindade” musical aos nove anos. Se os álbuns da ELO e de Barry foram os primeiros que comprei, o compacto com “Goodnight Tonight” também foi minha primeira aquisição de sua categoria. Lembro de ir com meu avô até a Moto Discos, que ficava pouco depois da esquina de Avenida Nossa Senhora de Copacabana com Xavier da Silveira, e comprar o disquinho preto, com envelope preto, sem nome, apenas ostentando o emblema da gravadora EMI-Odeon. No selo vinha escrito: “Wings – Goodnight Tonight”. Evidentemente, quando digo que foi um álbum que “eu comprei”, me refiro ao desejo expresso de tê-lo, certamente realizado por meu avô na hora, que sacou uma nota de cinquenta cruzeiros para pagar por ele.

 

Nada disso deve fazer sentido para quem é jovem. Há pouco eu explicava para minha enteada de 25 anos o que era um “compacto simples”, algo que, simplesmente, ela jamais ouviu falar. Pode ser bom ou mau que tenhamos esse tipo de lembrança, vá saber. O necessário é não permitir que essa visão do passado seja romântica e dominante como sinônimo de melhor momento da vida. Não. A lembrança pode ser boa, bonita, mas, como o compacto há muito se perdeu, se ainda estivéssemos naquele tempo, eu só ouviria a canção novamente se ela tocasse no rádio ou eu comprasse um novo exemplar. Hoje, 2024, acabo de ouvi-la várias vezes no Spotify. O mais importante, no entanto, não é isso. É celebrar que o criador dessa canção, que eu comprava na loja de discos há 45 anos, ainda está aqui, conosco. E isso, sei lá, traz um sentimento de proximidade. Enfim. Ouçam a música, se ainda não a conhecerem e celebrem os 82 anos de Paul porque ele merece. E muito.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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