Capítal Quarentão, Barão Quarentão
Duas das grandes bandas nacionais dos anos 1980 estão chegando aos “enta” com trajetórias bem diferentes e muitos pontos em comum. Uma dessas coincidências é o lançamento de discos ao vivo comemorativos, que já chegaram às plataformas de streaming e antecipam DVDs que celebram as carreiras de Capital Inicial e Barão Vermelho. Como costuma acontecer nesse tipo de ocasião, esses registros revisam grandes sucessos e tentam, de alguma forma, modificá-los, justamente para dar ao ouvinte a certeza de que o tempo passou mas aquele hit, aquela canção, conseguiu sobreviver. E o recurso utilizado pode ser um novo arranjo, a presença de um convidado especial, truques válidos, ainda que batidos. Sendo assim, os dois álbuns ao vivo de Capital e Barão são, como diria o matemático, opostos pelo vértice.
Enquanto o grupo de Dinho Ouro Preto se mantém há quase três décadas sem modificar em nada a sua fórmula sonora de pop rock conservador e alheio ao que acontece na música planetária, o Barão Vermelho se beneficiou demais da saída de Roberto Frejat em 2017. Em seu lugar veio Rodrigo Suricato, um músico talentoso, bom vocalista, que recebeu liberdade criativa por parte dos barões remanescentes, Guto Goffi e Maurício Barros, além de Fernando Gama, que está com a banda desde 1985. Tal fato fez com que Suricato empreendesse uma lenta e gradual repaginação no blues rock surrado do Barão, possibilitando a abertura de um espaço criativo. O resultado já pode ser visto no disco anterior, “VIVA”, de 2018, só com inéditas, e agora se confirma neste “Barão 40”, no qual Suricato transforma vários sucessos velhuscos do grupo carioca e lhes dá uma nova chance para ouvidos que não os aguentam mais. Por outro lado, não sei se os fãs conservadores do grupo terão a mesma boa vontade, mas, pela ousadia, já merece o respeito.
Suricato sobressai no álbum em momentos que tenderiam à banalidade absoluta, como “Bete Balanço” ou “Maior Abandonado” (esta com Samuel Rosa), surradíssimas canções que não trazem qualquer lampejo de novidade para quem as ouve há tempos. Pois aqui, com Suricato nos arranjos, elas renascem no formato folk rock bem feito, com riffs de violão e uma boa execução ao vivo. Lembrando que este álbum é acústico, o resultado é muito bom. Outra obra baronesca que se beneficia do desejo de mudança é a terrível “Por Você”, que, com a ajuda de Chico César, ganha uma novíssima roupagem e consegue despertar interesse e boa vontade até em quem não gosta dela. Outros cavalos de batalha também ressurgem revistos, ainda que nem tanto: “Flores do Mal”, “Tua Canção” (duas escolhas não-óbvias para discos assim) e uma das melhores canções do grupo, “Enquanto Ela Não Chegar”, que ganha ótimo arranjo, nem tão revolucionário assim. Em todas elas, a voz de Suricato dá novas possibilidades e presença ao grupo. O fecho, com “Carne de Pescoço”, excelente rockão dos tempos de Cazuza, não mudou nada, nem precisava, apenas recebeu belíssimo serviço pianístico de Mauricio Barros, um dos pais da criança.
O Capital, por sua vez, escolheu doze faixas para o álbum que foi para as plataformas de streaming (contra nove do Barão). O repertório é óbvio e expõe a fraqueza estética do grupo, além da pouca criatividade musical de seus integrantes. Para compensar, foram convidados artistas mais ou menos atuais para contrabalançar a obviedade excruciante. Sendo assim, vieram Marina Sena e Ana Gabriela, todos integrantes de um novo pop brasileiro, com a missão de atualizar, respectivamente, “Natasha” e “Fogo”. A primeira, composta por Alvin L, já era fraca, recebeu camadas de danação com a presença de Marina, que teve sua voz curta exposta no arranjo. Com Ana Gabriela o efeito é menos devastador, até porque “Fogo” é uma canção menos pior que a anterior. Temos a presença de Pitty na péssima versão “O Passageiro” e a participação de Samuel Rosa (de novo) na melhor canção de todo o repertório do álbum, “Tudo Que Vai”, outra de Alvin L. Para encerrar os trabalhos, a cover da cover de “De Música Ligera”, do Soda Stereo, que virou “De Música Ligeira” pela mão dos Paralamas e, posteriormente, a péssima e terrível “À Sua Maneira”.
As duas bandas chegam a esta quarta década de atividade com suas carreiras ativas. A julgar pelo que têm apresentado recentemente e agora, nestes dois registros comemorativos, o Barão é muito promissor e interessante. Lamentável que tenha sumido de grandes eventos, enquanto o Capital se tornou uma das unanimidades de lugares como o Rock In Rio. Pena.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Penso que o artista em geral tem entre cinco e dez anos, os mais fecundos, onde liberam sua porção criativa. Depois, é mais do mesmo ou releituras, que nada mais são do que caça-níqueis. Salvo raríssimas excessões mundiais, não só por aqui. Mas isso é próprio do ser humano que tem o dom para algum tipo de arte. Os Stones fazem isso e estão há sessenta anos lotando os lugares onde tomam, e se o Beatles estivem juntos, já teriam parado de criar coisas interessantes faz tempo. Depois que o artista tem um patrimônio da arte que criou, tem mais é que usufruir daquilo que fez e ainda faz bem para muita gente. A crítica é interessante, mas também excessivamente exigente com quem faz sucesso, ao passo que com aqueles relegados a um segundo ou terceiro plano, e que agradam ao gosto pessoal de quem é crítico profissional, e só, o tratamento é diferenciado. O bom é que a plateia “gosta é do gasto”.
Excelente. Perde o RiR por não convidar o Barão.