Asian Dub Foundation – Access Denied

 

 

Gênero: eletrônico, rock alternativo

Duração: 52 min.
Faixas: 14
Produção: Asian Dub Foundation
Gravadora: X-Ray

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Caso você não tenha notado, há uma guerra em andamento e me pergunto quando foi que tivemos paz. Se há uma trilha sonora possível para escutarmos nas trincheiras, esta há de conter algumas canções deste novo álbum do Asian Dub Foundation, “Access Denied”. O grupo indo-britânico não lançava nada novo desde 2015 e se esmera em oferecer quatorze faixas em que cobre assuntos como a crise climática, a opressão do Brexit e o preconceito contra a imigração na Inglaterra. Como estes são temas comuns a todos – basta substituir Brexit pela política isolacionista que qualquer país sob governos opressores adora – e desviar o destino dos imigrantes da Inglaterra para qualquer outra terra, que teremos as correlações. E num mundo em que países importantes caíram sob opressão nunca vista, nada é mais apropriado do que ouvir este bem azeitado trabalho em que Steve “Chandrasonic” Savale, Dr. Das e seus asseclas, colocam os dedos em várias feridas.

 

Ouvindo o conteúdo lírico de “Access Denied” é possível relacioná-lo com outros dois trabalhos: “Clandestino”, de Manu Chao, lançado em 1998, e “Exodus”, de Bob Marley And The Wailers, de 1977. Em todos eles há a detecção da movimentação humana no planeta, imposta, opressora. Ninguém quer sair de casa, a menos que isso seja absolutamente necessário. Sendo assim, a diáspora negra, o rescaldo das guerras e a ascensão da extrema direita estão todas no mesmo balaio do Asian Dub Foundation e o grupo tem malandragem para prover seu discurso de abraço às liberdades/combate às opressões com uma multiplicidade de sons. Temos hip hop, reggae, rap, hardcore, drum’n’bass, rock, tudo misturado a ponto das fronteiras entre eles se tornarem quase imperceptíveis. E, indo mais além, mostrando a universalidade dos temas, o ADF recebeu várias colaborações. Temos a rapper chilena Ana Tijoux; o “beatboxer” australiano Dub FX, o grupo palestino 47Soul, o humorista Stewart Lee e até a ativista sueca Greta Thunberg, estes dois últimos via sampler.

 

A faixa que tem a fala de Lee é “Comin’ Over Here”, na qual o humorista satiriza um posicionamento do UKIP, partido de extrema direita inglês, do qual Morrissey é simpatizante, para expressar o repúdio aos pensamentos segregacionistas que norteiam a mente dessas pessoas. Greta Thunberg aparece em “Youthquake pt.1”, na qual seu discurso na COP24 a Cúpula das Nações Unidas para as mudanças climáticas, feito em 12 de dezembro de 2018, ganhou atenção mundial. Em ambos os casos, as falas sampleadas surgem em belas molduras musicais, conferindo profundidade e drama a ambos, que funcionam perfeitamente como se fossem compostos pelo grupo. A sacada é genial e amplifica o discurso que já caracteriza o ADF desde seu surgimento, em meados dos anos 1990.

 

As outras canções são sensacionais. A participação de Ana Tijoux em “Frontline Santiago”, denuncia o altíssimo custo de vida no Chile, onde tudo é pago e privatizado, refletindo as manifestações de estudantes que tomam conta do país há tempos. A aparição do 47Soul é sensacional, gerando uma faixa incendiária chamada “Human 47”, extremamaente dançante e inflamada, misturando o dub/d’n’b do ADF com ritmos palestinos, gerando um rap/canto que soa irresistível, que tem o nome de “shamstep”. Além disso, Dub FX surge no fim do álbum com a ótima e incendiária “Smash And Grab The Future”. O tema do futuro em jogo já é abordado na segunda faixa do álbum, “Stealing The Future”, no qual a ganância do neoliberalismo é denunciada como um verdadeiro ladrão de possibilidades de um mundo melhor e inclusivo. Esta é a batalha pela qual lutamos, o ADF, a Célula Pop, os progressistas e todos que temem pelas gerações que virão e sentirão na carne a dor da irresponsabilidade gananciosa de hoje.

 

“Access Denied” é uma sucessão de porradas em diversas faces. Em vários momentos, os nossos rostos são atingidos pela dureza e necessidade de posicionamento dentro dessa luta incessante. O futuro é o nosso objetivo e não teremos nada no gênero se ficarmos de braços cruzados. Eles fazem o disco, a gente resenha e divulga. Funciona assim. Faça a sua parte, ouça e passe adiante.

Ouça primeiro: “Smash And Grab The Future”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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