Nos bons tempos do Coldplay

 

 

 

Coldplay vem ao Rock In Rio e disse você já sabe. Também já tem conhecimento que o grupo liderado por Chris Martin tem inúmeros shows marcados por toda a América do Sul, numa demanda poucas vezes – ou nunca – vista. E já deve ter em mente – se é fã da música que a banda faz – que o segundo álbum do grupo, lançado em 2022, “A Rush Of Blood To The Head”, está completando vinte anos. Junto com a estreia “Parachutes”, de 2000, “A Rush…” é um trabalho que privilegia muito mais o rock alternativo da década anterior, devidamente reprocessado em algo novo naquele início de milênio, do que o pop bombástico que o Coldplay incorporou ao longo dos anos seguintes, especialmente a partir de 2008, quando soltou o quarto álbum, “Viva La Vida”. Se este movimento rendeu ao quarteto um passaporte para o megaestrelato planetário, custou a relevância desses primeiros anos de carreira. E aí? Qual Coldplay você prefere? O dos primeiros álbuns ou o que veio depois? Ou ambos?

 

 

Eu confesso que prefiro o primeiro, especialmente porque a sonoridade que era praticada naqueles anos de 2000 – 2002 era algo novo. Claro que as influências estavam presentes, uma mistura de ensinamentos colhidos por audições extensas de “The Bends”, segundo disco do Radiohead, de 1996, bem como um decalque na carreira do U2, especialmente entre “The Joshua Tree” (1987) e “Zooropa” (1993). No meio do caminho, talvez uma pitada de inspiração vocal em Jeff Buckley e, voilá, teríamos a sonoridade que substituiu o britpop reinante nos meados da década de 1990, até tornar-se dominante na virada do século. Junto com o Coldplay vinham nesta onda o Travis, o Muse, o Elbow e algumas outras bandas menos conceituadas. Todas se tornaram grandes no milênio seguinte, cada uma à sua maneira.

 

 

O que não dá pra negar é que Coldplay e Muse, justo as que infusionaram elementos novos nessa mistureba descrita acima, se tornaram gigantes, em 2008 e 2009, respectivamente. Porém, nesta primeira metade de década de 2000, ambos eram bandas promissoras e vibrantes de um jeito bem diferente e interessante. Quando lançou “Parachutes”, em 2000, o Coldplay se tornou uma promessa praticamente realizada. A quantidade de canções boas contidas no álbum era impressionante. “Sparks”, “Yellow”, “Spies”, “Shiver”, todas, de algum jeito, pareciam ressuscitar o U2 perdido há tempos, junto com um jeito vibrante de tocar guitarras e pianos, como se fosse um Radiohead mais pop e acessível. Aliás, o próprio Radiohead modificou-se totalmente no início dos anos 2000, mas passou por este processo mais cedo, com “Kid A”, de 2000.

 

 

Sendo assim, “A Rush Of Blood To The Head” representa esta evolução da banda dentro de sua proposta inicial, mais voltada ao rock alternativo daquele tempo. É um disco fortíssimo, cheio de conceitos interessantes e formatação sonora eficaz, aprimorando o que havia de mais evidente em “Parachutes”, justamente esta inclinação para ser um U2 renascido e pianístico. As guitarras de Jonny Buckland e os teclados do próprio Martin são as ferramentas mais destacadas e eficazes aqui e são decisivos para canções como “In My Place” e o megahit “The Scientist”, cujo clipe é antológico e não perdeu a força. Essas duas canções escondem um punhado de outras faixas muito bonitas, que compõem um “núcleo duro” dentro do conceito de “A Rush…”, cujo título alude a um momento de pulsação sanguínea que pode – ou não – decidir uma vida inteira.

 

 

Liderando esse punhado de canções, está “God Put A Smile Upon Your Face”, até hoje uma favorita nos shows do grupo. A melodia, aparentemente banal, vai dando espaço para pequenas variações e mudanças, que “transformam sem transformar” a canção, sempre abrindo espaço para detalhes, seja na voz, seja o riff de violão que a conduz. Outra que é uma lindeza total é a faixa de abertura, “Politik”, que poderia estar em “Parachutes” sem qualquer prejuízo. A partir daí, passando pelos dois hits mencionados no parágrafo anterior, o Coldplay exercita flexões no formato expostos na estreia e acha espaço em “Clocks”, que seria praticamente o modelo de canção bombástica de estádio sobre o qual o grupo ergueria suas novas composições a partir de 2008. “Green Eyes” e “Warning Signs”, menores em escopo, mas emocionantes em execução, ajudam a “compor o elenco” do disco, deixando o caminho livre para que o fecho surja glorioso com “Amsterdam”, outra faixa “menor”, mas que tem muito mais força do que se imagina.

 

 

Este disco seria tão bem sucedido que geraria um álbum ao vivo, “Live 2003”, no qual o grupo executa seis faixas e abriria caminho para um terceiro trabalho, em 2005, chamado “X&Y”, no qual o grupo chega ao máximo desse modelo sonoro mais alternativo, já abrindo concessões para um elemento bombástico e gigantesco, no qual o grande espetáculo, o grande rock para ser berrado num estádio seria o principal objetivo, como atesta, por exemplo, o grande hit do disco, “Talk”.  A banda nunca foi tão afiada e instigante quanto nestes dois anos mágicos, entre 2000 e 2002. Seus dois álbuns deste período são ótimos, complementares e apontam para um futuro que não aconteceu. E isso, meus caros e caras, acontece.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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