Bloco Escangalha: consertando o carnaval de rua carioca com tradição, luta e alegria

 

 

Quem curte os blocos de rua do carnaval do Rio de Janeiro talvez não faça ideia de que, por trás da alegria, exista uma verdadeira luta. Luta para realizar a festa sem dinheiro, na raça e na paixão; luta para conseguir atender a exigências que mudam sem parar; luta para fazer com que a própria cultura do carioca assimile esse fenômeno que, por ser orgânico, cresce sem parar, querendo as autoridades ou não.

 

 

Mas cresce torto. Atravessa o ritmo e atinge agremiações de diversos formatos e estilos, apesar de a Prefeitura do Rio de Janeiro estimar que a cidade deva receber este ano 1,9 milhão de turistas no carnaval, 7 milhões de foliões nas ruas e ocupação máxima na rede hoteleira. O que falta então?

 

 

Neste contexto, o Bloco Escangalha vem, assim como tantos outros, lutando para não deixar a festa morrer. Ou melhor: tentando consertar o que está errado. Fundado em 2007, leva para as ruas da Zona Sul do Rio os sambas-enredo e as referências das escolas de samba da cidade. Fiel à sua origem, nos seus 12 desfiles se apresenta com bateria própria, respeitando tradições e saberes, com um repertório de sambas de todas as décadas. O desfile desse ano será dia 22 de fevereiro, às 8h, na Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico.

 

“Ao longo dos anos acompanhamos de perto a relação do poder público com os blocos e com o carnaval de rua. A partir de 2010, a festa melhorou muito em organização, até então quase inexistente. A Prefeitura conseguiu encontrar um modelo pelo qual cedia os espaços publicitários que os blocos acabavam por criar com seus desfiles para patrocinadores, que custeavam a estrutura”, afirma Pedro Machado, fundador e diretor do Escangalha.

 

Porém (Ah, porém…), um efeito colateral desse modelo foi o enfraquecimento do apoio aos blocos: as empresas interessadas passaram a negociar a exposição de suas marcas e a realizar ativações diretamente nos espaços oficiais cedidos pelo poder público. “De todo modo, contanto que a estrutura da festa fosse garantida por esse modelo, havia uma contrapartida importante. Os blocos souberam assimilar essa nova realidade e se planejar financeiramente para os seus desfiles”, complementa Pedro.

 

Mas o cenário iniciado no ano passado – e intensificado neste ano – tem se apresentado perverso para os blocos que não possuem viés comercial, mas que buscam manter viva uma tradição cultural da cidade. Além de achatados em suas receitas, a eles são apresentadas contas de gastos com estrutura de segurança e saúde, exigidos por órgãos como o Corpo de Bombeiros. “A Prefeitura e outros órgãos públicos municipais parecem tratar o carnaval por tudo o que ele não é. Desconsideram o seu valor cultural, não identificam o aproveitamento da festa por iniciativas meramente comerciais de determinados artistas, e fingem não enxergar a importância econômica da festa para a cidade”, aponta Pedro.

 

Para o Escangalha – que recentemente publicou em sua página no Facebook um comunicado esclarecedor sobre o assunto –, é mais que urgente um novo olhar para o carnaval, que seja capaz de enxergar as nuances e características da folia de rua, e consiga preservar a sua essência: uma festa democrática, plural e folclórica, que celebra a cultura popular, costumes e tradições, promovendo encontros e deixando um legado de cultura e de identidade social para as novas gerações.

 

O Escangalha está com o seu desfile de 2020 ameaçado, lutando para gerar caixa e fazer frente aos gastos. Para isso, criou uma vaquinha virtual, para que possa estar na rua no sábado de carnaval. O link é https://www.kickante.com.br/campanhas/coloque-nosso-bloco-escangalha-na-rua.

 

“Nosso objetivo é pagar os custos com a saúde, de ambulâncias e outros quesitos que, de dois anos pra cá, estão praticamente inviáveis para nós. Aliás, pra todos os blocos amadores. Caso haja excedente, este será revertido para obras sociais. Não vamos deixar o samba morrer!”, finaliza Pedro, com a esperança, bom humor e força de vontade de quem está acostumado a lutar para oferecer alegria e resistência cultural à cidade do Rio de Janeiro.

 

Avante Escangalha!

Celso Chagas

Celso Chagas é jornalista, compositor, fundador e vocalista do bloco carioca Desliga da Justiça, onde encarna, ha dez anos, o Coringa. Cria de Madureira, subúrbio carioca, influenciado pelo rock e pela black music, foi desaguar na folia de rua. Fã de poesia concreta e literatura marginal, é autor do EP Coração Vermelho, disponível nas plataformas digitais.

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