O soul country escandinavo de Jesper Lindell

 

 

 

 

 

 

Jesper Lindell & The Brunnsvik Sounds- Before The Sun
41′, 10 faixas
(Brunnsvik Sounds)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

A gente defende o novo e a novidade neste site, certo? Certo. Mas, então, por que diachos estamos dando espaço e trela para um disco que tem tudo, menos isso? A resposta é simples: ainda que não haja novidade estética ao longo das dez faixas deste “Before The Sun”, há o barato de apresentarmos aos leitores e leitoras a figura simpática do talentoso cantor, compositor e guitarrista sueco Jesper Lindell e sua banda, The Brunnsvik. E, por trás disso, há muita história que alimenta esse bem acabado feixe de canções que decalca tiques e taques de gente como Van Morrison e The Band, sem falar na manha dos sujeitos que acompanham Lindell têm, ao mencionar, como influência principal, os músicos residentes de estúdios lendários como os do FAME e do Muscle Shoals, que, ao longo dos anos 1960 e 1970, acompanharam gente do quilate de Bob Dylan, Aretha Franklin, Paul Simon, Allman Brothers, entre outros. Por mais exagero deslumbrado que seja, os caras têm bom gosto e isso, mais o talento de Jesper, está latente em “Before The Sun”.

 

Em primeiro lugar, não, os caras não tão exímios músicos quanto as velhas raposas felpudas dos estúdios americanos da segunda metade dos anos 1960. Mas eles têm capacidade de fornecer invólucros musicais em nível bom o suficiente para que Jesper alce voo sobre estes terrenos do country, soul, jazz que era praticado por Van Morrison no início dos anos 1970. Sem falar que o próprio Lindell, cantor e compositor talentoso, tem uma história sofrida. Aos treze anos, seu maior desejo era entrar para o time de futebol de sua cidade, Ludvika, na Grande Estocolmo. Só que, num jogo qualquer, o menino foi atingido por um colega e sofreu uma contusão grave, precisando operar o joelho, ficando consequentemente em repouso. Nesta época, seu irmão, Anton, que é o baixista de sua banda atual, lhe ensinou como tocar violão e, diante da facilidade anormal de Jesper, logo surgiram as primeiras composições.

 

Mais tarde, já devidamente convertido ao caminho da música, o rapaz montou algumas bandas na escola, percebendo em pouco tempo que poucos tinham familiaridade com este country soul jazz que tanto o encantava. O resultado, até agora, são três bons discos e um EP, que dão credenciais de respeito a Jesper e sua banda. Enfrentando uma doença crônica renal, ele recentemente passou por um transplante de rins e vem adquirindo condições para retomar a trajetória de shows e viagens, abalada seriamente no período imediatamente posterior à covid-19. Tudo isso está, de alguma forma, cravado na pungência das canções que Lindell oferece em seu novo álbum. São arranjos elegantes, bem construídos e executados com simplicidade de veteranos. Só quem já tem conhecimento do trabalho de Van Morrison, ou de The Band, ou similares, poderá, talvez, detectar alguma imperfeição. Para novatos e neófitos, é uma festa de boas faixas.

 

Quatro faixas se destacam: o single “One Of These Rainy Days”, que abre o disco, é uma típica canção de matriz vanmorrisseyana, com boa melodia, arranjo de metais, pianos, órgão e aquela fluência que parece morar na melodia. Os vocais dão conta e não buscam imitar o registro rouco e peculiar de Van. “A Little Light In The Dark” é uma lindeza sem tamanho, com melodia plácida que vai progredindo num arranjo classudo e bem pensado. Lembra, exceto pelos vocais, alguma canção que poderia ser de Art Garfunkel solo, totalmente bela. “Howlin'” responde pelo northern soul britânico, com riff de metais bem colocados e ótima performance da banda como um todo. E “Strange Goodbye”, uma balada country à toda prova, sofrida, doida, sobre despedidas e dias subsequentes. Novamente os metais dão o tom.

 

“Before The Sun”, repito, não inventa a roda, mas oferece muita beleza e qualidade a quem estiver interessado em influências tão bacanas quanto Van Morrison, The Band e similares. Tem bom gosto e propriedade. Ouça.

 

 

Ouça primeiro: “A Strange Goodbye”, “Howlin'”, “One Of These Rainy Days”, “A Little Light In The Dark”.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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