Barão Vermelho me deu uma rasteira

 

Confesso, eu estava preparado para falar mal do novo disco do Barão Vermelho, “Viva”. Tinha tudo para ser um artefato sonoro nocivo, requentado, sem sentido. A presença de Rodrigo Suricato nos vocais, composição e guitarras me parecia sem sentido, uma espécie de “downsizing” de talento, mesmo que o cara seja compositor competente e ótimo guitarrista. De alguma forma, parecia evidente que “Viva” seria presa fácil de uma resenha negativa. Pois é, parecia. O disco é bom. Talvez seja o melhor lançamento que a banda faz desde “Supermercados da Vida” do longínquo ano de 1992. Sim, há 27 anos.

 

Novidade nunca foi palavra constante do vocabulário do Barão, pelo contrário. Quando Frejat assumiu os vocais após a saída de Cazuza, a ideia reinante era manter o espírito stoniano-boêmio-carioca do grupo intacto e operante. Ele conseguiu, com a ajuda do resto dos barões. A estrutura rítmica foi mantida, o clima e as características também. Até achei na época que, com Frejat no comando, o Barão fez seus melhores discos, a saber, “Rock’n’Geral” (1987), “Carnaval” (1988) e “Na Calada da Noite (1990), quando conseguiu se desvencilhar da pecha de ser veículo para a poesia de Cazuza e se tornou um grupo mais cascudo de rock’n’blues, com pitadas certeiras de psicodelia sessentista.

 

Depois, com o tempo, o Barão perdeu o gás e chegou a cometer um dos maiores equívocos do rock brasileiro enquanto estilo: o disco “Puro Êxtase”, em 1998, com “instrumental eletrônico” em muitas faixas e uma intensificação de um romantismo carioquês meio exacerbado, algo constrangedor, mas que fez bastante sucesso, especialmente com “Por Você”, uma balada que recolocou o Barão nas paradas de sucesso depois de muito tempo. Após este disco, o grupo perdeu o pouco de relevância que lhe restava, especialmente porque Frejat engrenou numa carreira solo meio sem sentido, mas que deixou a banda numa espécie de segundo plano. Não tardou para o último fôlego ir embora de vez, com o lançamento de um disco homônimo, que passou em branco, de 2004 e se tornou o último registro de inéditas da banda. De lá pra cá o Barão se manteve vivo com a reciclagem proporcionada por coletâneas, projetos ao vivo e outras medidas paliativas.

 

Em 2017, Frejat anunciou sua saída do grupo e, em seu lugar, veio Rodrigo Suricato. Quando esta notícia correu a mídia, pensei: bem, é o fim do Barão, melhor assim. “Errado estava eu”, como diria Yoda. Apesar de uma aparente incompatibilidade, o primeiro registro fonográfico com Suricato à frente, traz o Barão para uma nova fase. Entenda: por “nova” não quer dizer alguma sombra de mudança estética. É o velho estilo roqueiro setentista em vigor, mas com algum sopro de ares novos, trazidos por Suricato. Isso se traduz, por exemplo, em detalhes simples: a última faixa do disco, “Pra Não Te Perder”, com participação da sensacional Letrux, tem um arranjo que evoca “Dear Prudence”, dos Beatles safra 1968. Apesar da referência clássica, ela surge como algo novo em termos de Barão. E assim temos outros momentos.

 

A levada pop ensolarada de “Por Onde Eu For” – talvez a melhor faixa do álbum – é algo que a banda nunca se permitiu, ainda que faça todo o sentido dentro do cânon baronesco. Tem belas intervenções de teclado, comandado por Maurício Barros, membro-fundador reefetivado na banda após participar como músico convidado desde 1988. “Eu Nunca Estou Só” é outro bom exemplo de “inovação”, uma vez que traz um tímido rap de BK sobre uma levada classicona à la Stones mas com alguns timbres eletrônicos discretos sobre a bateria de Guto Goffi. Funciona bem. “Jeito” também faz sentido dentro do contexto do álbum, com boas levadas de violão e melodia prodigiosa, mostrando como Suricato faz bem ao Barão. E vice versa, uma vez que ele, sozinho – como atesta seu recente disco solo – precisa de contrapontos e inspirações. Junto com os veteranos barões, ele apresenta sua melhor versão.

 

Não sei se “Viva” fará bonito na grande mídia, mas deve render aos veteranos uma turnê por algumas cidades no país e, com sorte, pode fornecer uma ou duas novas canções para futuras coletâneas. Por linhas aparentemente tortas e/ou distantes, o Barão Vermelho se reinventou e se mostra com cartas na manga para disputar um lugar ao sol neste tempo tão estranho.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “Barão Vermelho me deu uma rasteira

  • 19 de agosto de 2019 em 11:24
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    Eu avisei!
    Fui na estreia arrebatadora da terceira encarnação do Barão Vermelho no Circo Voador. Assisti depois uma “virada de jogo” da banda no Vivo Rio, fazendo os abastados das mesas largarem suas tacinhas. E por último, num maior astral na lotada praia de São Francisco em Niterói. Suricato é “bão!”, o melhor que o Barão podia ter, um fã da banda capaz de substituir os riffs do Frejat.
    Em tempo, a foto da matéria é legal, mas o Rodrigo Santos, seu baixo e lindos backing vocals não estão mais na banda (lamentável).
    Em tempo 2, o BV lançou o single de Brasil na época daquela eleição/plebiscito e depois um Ep com várias versões do repertório da turnê Barão pra Sempre (excelente).
    Em tempo 3, a Rádio Cidade está divulgando uma ação conjunta com o Barão Vermelho nominada: Invasão da Cidade. Durante a “chamada” ouve-se qualquer coisa na voz do Cazuza ou Frejat. Música nova? Nem na chamada, muito menos na programação da “rádio rock” (?), que está tocando a música de trabalho do Suricato, inclusive apresentando-a como uma autoria da banda Suricato do Rodrigo Suricato. Entendeu? Nem eu…

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    • 19 de agosto de 2019 em 14:25
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      Verdade, meu caro. Eu não levei fé…

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      • 19 de agosto de 2019 em 15:08
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        Ah, foi joia você ouvir e resenhar o novo… aliás novo o quê? Streaming!? Lamentável, não ouvi , nem li nenhum outro comentário.

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