BaianaSystem chama para embarcar no “Navio Pirata”

 

 

BaianaSystem – Navio Pirata

Gênero: Eletrônico, reggae/dub

Duração: 21 min.
Faixas: 7
Produção: Daniel Ganjaman e Russo Passapusso
Gravadora: Independente

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Está disponível nas plataformas digitais “Navio Pirata”, o novo lançamento do grupo BaianaSystem. Seria só mais um EP – sete faixas, 21 minutos – se os caras já não tivessem avisado que haverá outros dois, lançados em 05 e 26 de março, compondo três atos de seu novo álbum, “OXEAXEEXU”. A nova obra é mais um capítulo da carreira do Baiana, que vem adquirindo um caráter cada vez mais didático e, digamos, extra-musical, dentro do que entendemos como manifestação cultural da diáspora africana. Num país como o nosso, em tempos como os atuais, não posso pensar em nada mais necessário.

 

Russo Passapusso, Roberto Barreto e companhia, conseguem fazer algo que é bastante complexo: aliar a esta carga “didática” sobre a negritude e as dimensões/significados do “ser negro” uma musicalidade inegável. Os caras têm a noção exata de modernidade e tradição e como equilibrar as sonoridades eletrônicas contemporâneas com os ritmos ancestrais, sem perder no processo as informações que são necessárias. Sendo assim, há batuque, beat, ancestralidade, religião, sentidos, noções, consciências, tudo que funciona como elemento identitário. E este papo sociológico/antropológico é inserido em canções que não deixam outra escolha a não ser a dança e o esclarecimento. É um telecurso instantâneo, imperceptível e irresistível.

 

“Navio Pirata” tem um espírito afrolatino, algo bastante curioso. Tem muita guitarra ao longo das faixas, muitos timbres de bandolins, além de uma visão relativamente rara, que a aproximação com o leste da África, de influência árabe, de países como Tanzânia e Benin. Não por acaso, Makaveli e Jay Mita, dois artistas da região, participam do álbum, com este acento suaíli, idiomático, que dá espaço para essas ancestralidades. Não por acaso, a Tanzânia, ex-colônia britânica na África, já foi tema de canções em português, basta lembrar de “Zanzibar”, da Cor do Som. E não custa dizer que foi lá que nasceu um certo Farroukh Bulsara, que adotaria, anos depois, o nome artístico de Freddie Mercury.

 

Além dos convidados estrangeiros, estão presentes BNegão e Céu, que participam de “Reza Forte” e “O Que Não Me Destríi Me Fortalece”, respectivamente. A primeira foi o single que anunciou a chegada do EP, com percussão massiva, letra sobre superstições e religiosidade como sendo indispensáveis para se fazer a viagem que a banda está propondo ao ouvinte. E Céu surge no meio de um groove turbinado por guitarras e efeitos de estúdio, com sotaque universal. A belezura sonora está numa pequena e gentil faixa instrumental, “Raminho”, que tem guitarra baiana em meio a uma voz rezando a “Ave Maria”. Lindo e triste.

 

A carga política é notável ao longo das canções. Não bastasse assumir a africanidade num tempo em que as influências do continente são alvo de perseguições religiosas e oportunistas, “Navio Pirata” não deixa barato sobre a tradução neoliberal que tais questões acabam tomando. Em “Monopólio”, em meio a uma levada reggae/dub, há versos como “quais os nomes das famílias que dominam o nosso mundo/quais os nomes das empresas que compraram nosso estado?” e, mais adiante, “de tanto mastigar cê vai ficar banguela”, informando ao ouvinte que tudo faz parte do mesmo contexto, a opressão, a perseguição, a afirmação identitária e as consequências disso, traduzidas na informação e consciência. É tudo sério e necessário.

 

“Navio Pirata” deveria estar em salas de aula. E nos bailes de periferia.

 

Ouça primeiro: “Monopólio”, “Reza Forte”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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