Morrissey – California Son
Gênero: Rock
Duração: 40 min.
Faixas: 12
Produção: Joe Chicharelli
Gravadora: Etienne/Warner
Pois bem, apesar de ter dito que estou cansado de Morrissey, cá estamos novamente falando dele. Agora é por causa do lançamento de seu disco de covers, “California Son”, que conta com um repertório escolhido pelo próprio, composto de canções que surgiram no pop/rock californiano da virada dos anos 1960/70. Os originais surgem modificados pela modernidade, traduzida em tiques e taques de estúdio – programações, timbres – e pela voz lamuriosa de Morrissey, seu bem mais conhecido.
Não precisa muito esclarecimento para saber que a Califórnia da época abordada por Morrissey é um pilar da contracultura, um movimento que surgiu como resposta à política externa americana sessentista e à maneira como o país tratava seus assuntos internos, especialmente os direitos civis de negros e mulheres. Os hippies, gente que conviveu com os autores das canções que Morrissey canta aqui – Laura Nyro, Bob Dylan, Phil Ochs, Tim Hardin, entre outros – eram sujeitos que desistiram da sociedade e foram viver uma nova alternativa, na qual a igualdade e o boicote às instituições eram os motes.
Por isso, por mais que algumas canções sejam impossíveis de estragar – casos de “Wedding Bell Blues”, de Laura Nyro, famosa com o grupo vocal Fifth Dimension,, “Don’t Interrupt The Sorrow” (Joni Mitchell), “Only a Pawn In Their Game” (Bob Dylan) e “When Your Close Your Eyes”, de Carly Simon, tudo por aqui soa desesperadamente sem sentido. São canções de amor, de protesto contra o sistema, que não podem ser profanadas por quem tem feito as declarações que Morrissey tem feito.
“Chineses são sub-raça”.
“O que as mulheres entendem como estupro muitas vezes foi uma forma patética de cortejo”
Além disso, da recente aparição televisiva com o broche do Ukip, partido da extrema-direita britânica, Morrissey perdeu o direito de cantar esses temas. Ou pode fazê-lo sob a luz da burrice cega de um público que precisa despertar para a realidade – ainda que queira preservar imagens e identidades criadas em outros tempos – ou da indústria do disco, que vende o lançamento do cantor com um parágrafo deste naipe:
“Com vocais que tendem para pop, glam rock e folk, neste projeto Morrissey finalmente se torna um cantor de protesto assumindo Dylan e Phil Ochs. O seu distinto vocal de barítono naturalmente torna cada uma dessas músicas essencialmente sua, enquanto permanece, ao mesmo tempo, fiel aos originais. Está claro que a voz de Morrissey está mais forte do que nunca, já que o icônico cantor relembra as faixas que o influenciaram, e ainda o influenciam.”
É tudo muito ruim. É como se Lobão e Roger se unissem para um tributo a Chico Buarque.
Ouça primeiro: procure os originais, eles estão todos aqui embaixo.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.