Entrevista – Marcos Valle

Sempre sou afetado pela situação do país – Marcos Valle

Sem qualquer exagero, Marcos Valle é um ícone da música mundial. Maior representante do que se chama de “segunda geração da Bossa Nova”, autor de uma das canções mais executadas no planeta, dono de uma obra ímpar no cenário brasileiro, o homem está de volta à carreira solo após dois discos colaborativos – um com Dori Caymmi e Edu Lobo e outro com a cantora canadense Stacy Kent. Prestes a lançar “Sempre”, que vem antecedido pelo ótimo single “Alma”, Marcos bateu um papo sobre o momento de sua carreira, sua vida pessoal, Rio de Janeiro, Brasil e a próxima turnê, que já tem várias datas agendadas.

 

 

 

– “Alma” é a primeira amostra do seu novo disco, “Sempre. Podemos dizer que você voltará aos seus dias de música dançante de acento pop e black, como nos anos 1980?

Esse meu lado de música dançante, com influência do pop e do black, é algo que tenho há muito tempo. Na verdade, acho que faz parte de mim desde que me entendo por músico. Ele não é o único, tenho uma parte melódica, de harmonia… Mas essa parte dançante faz parte de mim. Os outros lados, as outras partes vão continuar coexistindo. Como minha música abrange diversas características, às vezes caminha para um lado ou para o outro. Agora era a hora de fazer isso. Era algo que eu realmente queria revisitar. Estou gostando muito. Mas o que vem adiante é a emoção que vai dizer! (Risos)

– “Sempre” é o seu primeiro disco solo em nove anos. Neste tempo você gravou um disco ao vivo com a cantora canadense Stacy Kent e outro com Edu Lobo e Dori Caymmi, o que mudou na sua música nestes nove anos?

Durante esses 9 anos eu gravei esse disco com a Stacy, pois juntou o meu lado do samba e do jazz com a bossa, e a mistura foi bem interessante. Já o com o Edu e o Dori Caymmi, foi um trabalho de recuperar o nosso início de carreira, quando começamos juntos lá no início dos anos 60. Acaba sendo bem diferente até do disco da Stacy por focar em faixas mais melódicas, que é uma das características que divido com o Edu e o Dori. O que muda é apenas a vontade, o que a cabeça me diz no momento… Tem horas que a inspiração me leva para um lado e horas para outro, mas o que comum é que todos têm a minha verdade. Hoje eu só faço o que eu sinto, o que tenho carinho. Esses nove anos têm em comum a criatividade e a vontade de continuar criando e gravando.

– Sua carreira tem muitas canções que são inseridas num verbete “Bossa Nova”, porém, sua musicalidade vai muito além. Como você lida com essas influências musicais?

Minhas influências foram muitas desde menino. Comecei a tocar musica clássica aos 6 anos, mas sempre ouvia muita música popular com meu pai. Tinha de tudo, de baião ao rock, do black ao samba. O que fui gostando dali foi me marcando e se tornando parte do meu estilo. Quando gravei meu primeiro disco, foi bem no auge da bossa nova e eu fui considerado dentro da segunda geração da Bossa Nova. Realmente a influência da bossa ali no começo era forte, mas com o tempo fui podendo mostrar um pouco de todas as coisas que ouvia. Foi isso que formou meu estilo. Meu verbete pode estar lá como bossa, como pop, como soul e isso é muito interessante. Gosto que não tenha um modo de rotular a minha música.

 

– Sua música passou por uma grande redescoberta nos anos 1990, especialmente na cena dançante inglesa, gerando praticamente uma reinvenção. Como você viu isso na época?

Isso foi excelente pra mim, foi especial. Eu nem sabia que ela estava sendo redescoberta e soube pela Joyce, minha amiga e parceira. Isso renovou o público e renovou as minhas energias. Meu primeiro filho nasceu nessa época e esse reencontro com a música que mais gostava de fazer foi uma motivação. Eu estava esperando para gravar um disco, para algo que me motivasse e foi isso que me impulsionou a começar tudo outra vez.

 

– Você é um artista que não tem medo de remixes, versões alternativas, demos, é sampleado por vários figurões como Jay-Z, Kanye West… O que você ouve atualmente?

Eu não tenho medo mesmo não! Adoro isso! Ouço muita coisa diferente, faço uma misturada. Ouço essa galera toda aí com Bruno Mars, aí vai pra Zeca Pagodinho, aí vem pra música clássica, Frank Sinatra, Steely Dan… Ouço meu parceiro querido que nos deixou há pouco, Leon Ware. Ouço muito Dori, uma mistura de todas as épocas. Ouço quase aleatoriamente de acordo com o momento.

 

 

– Você tem verdadeiros clássicos em sua discografia. Tem algum trabalho que goste mais ou ache mais importante? Fale um pouco disso.

 

É difícil dizer qual eu gosto mais. São fases, sabe? Acho que é meio que… contínuo. Por isso, o nome do meu disco novo é “Sempre”. O disco em que gravei “Viola Enluarada” foi algo que estava tocando muito comigo. O primeiro é algo que tenho muito carinho… Agora estou feliz com esse novo. De vez em quando me pego ouvindo alguns discos antigos meus, lá do começo. Quando você está longe de quando gravou, tem mais possibilidade de gostar sem julgar. Sinceramente, quando eu não gosto de uma música, eu nem mostro. (Risos) Tem coisas da minha discografia que sei que não são tão boas, mas não saberia escolher qual é a melhor.

 

 

– “Samba de Verão” é a segunda música brasileira mais gravada no mundo, só perdendo para “Garota de Ipanema”. E estourou no mundo com a versão instrumental. Conta um pouco como foi isso. Como você a compôs?

 

Eu fiz essa música no violão, ela tem o balanço do violão. Ela tem muito a ver com aquela fase otimista do Brasil antes da ditadura, com o JK, cinema em alta. E trouxe tudo que tinha na lembrança, da praia e dos esportes. Essa música tem esse clima de alegria, sensualidade, das praias do Brasil. O sucesso da faixa foi algo bem interessante, ainda mais com uma gravação instrumental. Ainda mais depois com gravação vocal com o mesmo sucesso. Chegaram a ter 3 versões da mesma música nas paradas americanas. Mas o momento que fiz, confesso que não lembro bem. Lembro que morava ainda com meus pais e irmãos e que ela veio.

 

 

– Voltando ao “Sempre”, você está trabalhando com o Alex Malheiros, do Azymuth, que é seu parceiro de longa data. Quais outras parcerias e participações o álbum vai trazer?

 

Tivemos uma banda base com o Alex Malheiros, Paulinho Guitarra nas guitarras, Jessé Sadoc nos arranjos de metais, Armando Marçal nas percussões, Renato Massa na bateria e completou com o próprio produtor Daniel Maunick nas programações.

 

– No seu perfil do Instagram você tem várias postagens de ajuda a animais desabrigados. Você tem algum envolvimento com esta causa?

Eu sempre tive animais, adoro os animais e tenho muito carinho. Minha mulher, Patricia, também tem essa paixão. Essa soma acaba fazendo tomar muito partido nessa parte da proteção dos animais. Tem muita gente maltratando e largando os animais… E eles só nos trazem carinho. Sempre que posso tento dar a minha ajuda.

 

 

– Para compor e gravar as canções do “Sempre” você passou por algum processo especial de composição? Como você compõe?

Para compor, eu só ponho a cabeça para funcionar! (Risos) Eu já tinha essa busca do ritmo, do boogie, do dance e essa mistura do R&B com soul e baião. Eu sabia que o caminho era esse e deixei ele me ligar. Fiquei no violão e no fender rhodes. Gravei com o Daniel Maunick e ele é um produtor excelente. Ele também queria levar meu som para esse lado e foi um processo muito bom. Começamos tudo aqui em casa, antes do estúdio. Já tinha essa alma do disco desde o começo, o que veio foi consequência do trabalho em estúdio.

 

 

– Suas canções têm o Rio como inspiração na maioria das vezes. Como você vê a cidade hoje?

Eu sou um apaixonado pelo Rio e conheço muitos Rios… Afinal, estou aqui há muito tempo e fica difícil comparar. Na verdade, nem é bom comparar. As pessoas mudam, a cidade muda, a política muda, a população aumenta… A beleza do Rio ainda é incomparável, é fascinante. Eu fico torcendo por um Rio que possamos recuperar a tranquilidade dentro da questão social. Um Rio onde meus filhos e os filhos deles possam continuar curtindo. Temos muitos problemas sociais graves que geram a violência e isso é uma pena, pois é a cidade mais bonita do mundo. Mas continuo acreditando nessa cidade e compondo sobre essa cidade e esperando por um dia em que veremos um Rio que se aproxime do Rio que tinha antes desse violência toda.

 

 

– E a situação do país? Como isso te afeta como compositor?

Lógico que afeta. Sempre afeta. Nesse disco, “Sempre”, tem uma música que fala “Olha quem tá chegando”, que fala sobre as pessoas que estão chegando para roubar, mandar o dinheiro para fora… Ladrões em quadrilha, ladrões em família. Apesar de um disco de ritmo dançante, eu trago esse clima para uma análise social. Acho que afeta além da música, afeta o ser humano. Aí não tem como isso não transpor pra arte. Isso sempre aconteceu comigo, de uma maneira ou de outra, seja de crítica social, de costumes, ao consumismo. Sempre sou afetado pela situação do país.

 

 

– Você está saindo em turnê para divulgar o novo disco na Europa. Algum plano de tocá-lo por aqui?

Vai ser uma tour bem interessante pela Europa. Depois vamos para Los Angeles, vamos pra a Europa de novo e pro Japão até o fim do ano. Adoraria fazer o show de lançamento e estamos empolgados. Os músicos da banda também querem muito. Teremos um espaço ali no começo do segundo semestre e vamos tentar fazer shows por aqui.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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