Anavitória, Melim e o pop “good vibes”

 

Você conhece estes dois artistas, certo? Juntos eles têm quase dez milhões de audições mensais no Spotify. Convenhamos, não é pouco. Se somarmos os números de Paralamas do Sucesso, Skank, Capital Inicial, Marisa Monte, Titãs e Nando Reis, não teremos este total. Anavitória é uma dupla goiana, Melim é um trio niteroiense e ambos são uma espécie de referência num pop brasileiro urbano que existe à parte do que geralmente vemos. Esta separação não é estética, pelo menos, não ao pé da letra, mas dá pra notar que, assim como a novela Malhação e programas de clipes do Multishow, eles são uma espécie de retrato da juventude classe média brasileira, às vezes atingindo faixas etárias que vão além dos 20 anos de idade. O trio Melim, por exemplo, esteve no último Rock In Rio e, uma vez que eu estava lá, pude constatar o grande número de pessoas cantando suas músicas. Mas, e daí? São bons? São fracos?

 

A vontade de escrever este artigo veio por conta do lançamento de “N”, trabalho novíssimo de Anavitória, contendo apenas canções de Nando Reis. O disco tem menos de meia hora de duração e alterna pequenas vinhetas com gravações da voz de Nando em off com sucessos da carreira dele, seja como cantor, seja como compositor. Não há muita vontade em escolher faixas obscuras, a ideia é dar a elas a interpretação doce e sussurrada que caracteriza o trabalho das moças. Uma olhada em suas cinco canções mais visualizadas no Spotify assusta: números que vão de 112 milhões de audições para “Fica” ou 99 milhões para “Trevo (Tu)”.

 

As versões para composições de Nando Reis cumprem sua função. Não há um único vestígio de maldade, malícia, maturidade ou algo que não seja pureza, delicadeza e beleza. É tudo cantado, produzido e pensado para que a gente se sinta numa nuvem flutuante, acima do bem e do mal, num transe fofo que apazígua e aliena a alma. Não há qualquer crítica possível à produção das faixas, é tudo muito bem feito, com vocais de apoio, arranjos, intervenções de teclados climáticos obedecendo um padrão iniciado informalmente com o salto que Tiago Iorc deu para o mainstream há poucos anos. Aliás, não por acaso, o produtor de Tiago, Felipe Simas, foi quem deu oportunidade às meninas (Ana Clara e Vitória Falcão), que se conheceram quando ainda estavam na escola, em Araguaína, no estado do Tocantins.

 

 

Dá pra dizer que as versões de “Dois Rios” e “Relicário” são os pontos altos de “N”. Também dá pra cravar que o disco irá bem longe no critério de audição vigente, ou seja, likes e compartilhamentos de vídeos e faixas nas plataformas digitais. Mas não se enganem: Anavitória é artista Universal. Melim também faz parte da mesma gravadora, o que nos faz questionar a apologia feita à independência e à autonomia na atual fase da indústria musical. Não pór acaso, ambos são figurinhas fáceis nas trilhas de novela, especiais de fim de ano e na escolha de shows comemorativos Brasil adentro. Claro, por que apostar em gente desconhecida? Pois bem.

 

Melim é um trio de irmãos gêmeos, Gabriela, Rodrigo e Diogo, todos da gloriosa cidade de Niterói. Sua fama local foi ampliada significativamente quando chegaram à semifinal da terceira temporada do Superpop. programa global que tinha a missão de descobrir novos talentos para a música brasileira, mas acabou escolhendo a Banda Malta como um de seus principais representantes. Pois bem, o Melim não venceu o programa, mas assinou logo com a Universal para lançar um EP em 2017, puxado pelo sucesso da faixa “Meu Abrigo”, que tem inacreditáveis 134 milhões de audições no Spotify. Outra canção, “Ouvi Dizer”, tem mais de 108 milhões. Não por acaso, a primeira fez parte da trilha sonora da novela global “O Sétimo Guardião”. Nada é por acaso. O grupo já está escalado para abrir a apresentação dos americanos do Maroon 5 em março do ano que vem.

 

É outro artista que pratica este pop urbano e simples. A diferença para Anavitória está na familiaridade que o Melim parece ter com uma certa alma carioca, no “sentado na beira da praia/reggae de branco”, herdada de algumas bandas dos anos 1990/00, como Cidade Negra e Natiruts ou o gaúcho Armandinho. Ou seja, é uma música extremamente simples, engendrada para tocar no rádio/TV e chegar sem escalas ao peito do ouvinte que não espera muito de uma letra ou de uma melodia. No tal show que o trio deu no Rock In Rio havia uma profusão de covers de Paralamas do Sucesso e Cidade Negra, além de Djavan ou outros artistas, sempre em seus momentos “good vibes”. O lançamento mais recente do trio é um álbum ao vivo, “Melim ao Vivo”, que já tem alta rotação no Spotify.

 

 

É uma música estática. Que não anda. Suscita uma espécie de letargia. Sei lá. É algo que soa despido de propósito e a música deve ter um. A não ser que a ideia destas produções seja, justamente, não querer fazer nada.

 

Sempre existiu música feita para a pura e simples audição. Há quem até diga que é uma forma de arte que existe apenas para ser ouvida. Um olhar um pouco mais cuidadoso dirá que é possível fazer muito mais através da apreciação da música em seus patamares mais altos: uma letra marcante, um achado melódico, uma surpresa, uma citação, uma evidência de inspiração em outro artista…Estas são algumas das instâncias possíveis, há inúmeras. É uma música simples, simplória até. Feita com a intenção única de reprocessar fórmulas do pop mais óbvio, ecoando um momento especialmente vazio da juventude de classe média brasileira. Infelizmente.

 

OBS: se eu precisasse escolher um deles, Anavitória ou Melim, a julgar pelos registros mais recentes, acho que ficaria com a dupla de Araguaína.  É possível notar um talento vocal genuíno, ainda que pareça muito próximo do que duplas sertanejas fazem por aí.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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