Ana Frango Elétrico confirma ascensão ao vivo
Tudo parece ter começado lá na sexta-feira do dia 20 de outubro de 2023. Ana Frango Elétrico lançava Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua e aparentemente despertava um desejo na garganta dos ouvintes cariocas. Uma ansiedade pelo momento em que estariam frente a frente com seu novo repertório. Até então engasgados, seus fãs e entusiastas puderam finalmente extravasar o impulso voraz de cantar alto e forte as letras de seu novo álbum. Com plateia lotada e ingressos esgotados, o Circo Voador viu um sábado incomum de janeiro no Rio: nublado e frio se tornar um caldeirão fervoroso, uma pista de dança vibrante e, em certo momento, uma quadra (reduzida) de escola de samba.
Mas não estranhe. Afinal, Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua é um álbum de celebração à música brasileira. Uma música suingada, dançante e percussiva, concebida pela fusão entre a música brasileira, o soul norte-americano e a disco music. É uma homenagem ao legado deixado por Cassiano, Lincoln Olivetti, Robson Jorge, Tim Maia e, também, Rita Lee; e que persiste nas caminhadas de Marcos Valle, Hyldon, Toni Tornado, Di Melo, Carlos Dafé e muitos outros. É essa mistura colorida e extrovertida que traz riqueza e inventividade à experiência musical brasileira.
Não é esquisito, portanto, que Ana tenha feito um medley charmoso e fino de Não Tem Nada Não de Marcos Valle com o clássico do house Gypsy Woman (She’s Homeless) de Crystal Waters em meados do show. Ou que Índio da Cuíca tenha sido um dos convidados de honra da noite. O multi-instrumentalista e compositor entrou no palco com o percussionista Rodrigo Maré para acrescentar brilhantemente novos timbres a Se No Cinema, canção que já é uma salada muito bem temperada de bolero, com indie-pop e samba, e está presente no segundo álbum de Ana. Se era na Sapucaí onde originalmente acontecia o encontro da folia em mais um fim de semana de ensaios técnicos, Índio, Rodrigo, Ana e sua banda tornaram possível um carnaval na lona intimista do Circo.
Na verdade, foi um show tomado por uma algazarra divertida, bem característica das letras e melodias de Ana. A ocasião era o lançamento de “Me Chama de…”, que foi apresentado na íntegra, mas a adição de sucessos de Little Electric Chicken Heart e Mormaço Queima demonstrou que Ana já recolhe uma obra tão vigorosa e consistente quanto adorada. Um público dedicado cantava cada palavra e, em momentos especiais, entoava o arranjo dos metais e cordas. Durante a faixa Insista em Mim, por exemplo, um belíssimo coro ocupou o espaço dos violinos, violoncelos e violas que faltavam no palco. E de maneira semelhante, em Let’s Go To Before Again, música que abriu o espetáculo, uma união de vozes puxou a harmonia e ressoou o “pa-parara” antes mesmo de Dora Morelenbaum e Calu entrarem em ação como backing vocals.
Não faltaram outras ocasiões divertidas. Da plateia arremessando cigarros em cima do palco durante os versos de Camelo Azul a um leilão. Sim, uma disputa acirrada por um quadro pintado na hora por Ana deixou um felizardo chamado Guilherme com mil reais a menos na conta bancária, mas levando para casa talvez o “merchan” mais valioso da noite. Inusitado, mas o evento também rolou no show de Porto Alegre e, sem medo de errar, condiz com o clima magnético da apresentação.
Além do mais, Ana Faria Fainguelernt exala carisma, mostrando o quanto fica confortável no palco e tem domínio da sua figura como frontwoman e da qualidade da performance como um todo. Foram duas horas sem deixar a bola cair. Na vez de Dela – depois de já ter tocado um sintetizador com a testa durante a faixa Debaixo do Pano, e apresentado uma sequência das suas baladas lentas e românticas – Insista em Mim, Nuvem Vermelha, Promessas e Previsões e Chocolate – o rapper JOCA entra na brincadeira, adicionando mais um elemento a uma apresentação que, ao final, viu um solo de cuíca, um apito e um tamborim acompanhar improvisações vocais de Ana.
Nessa altura, já se especula se um único bis será suficiente. E, assim, respectivamente, Electric Fish e Doutor Sabe Tudo não bastaram para amarrar a noite. Aos gritos da multidão, o grupo voltou ao tablado e apresentou uma sequência final nostálgica e emocionante: “I have only farelos” começou Ana, sentada na beira do palco, pedindo que o público viesse, se aproximasse e cantasse juntinho o primeiro grande sucesso de sua carreira. Logo em seguida, a banda emenda em Roxo, outra faixa do álbum primogênito, Mormaço Queima, para finalizar com Mulher Homem Bicho, seu single de 2020.
É difícil encaixar a música de Ana Frango Elétrico numa única caixa sonora ou de gênero. O que posso tirar disso tudo é que o show de lançamento no Circo Voador favoreceu ainda mais seu repertório. Pra quem está chegando e, curioso, está descobrindo o que essa tal de Ana Frango Elétrico tem de tão interessante, sua apresentação foi uma ótima escola. Ao mesmo tempo, quem já está nesse barco há algum tempo conseguiu viver as diferentes e originais fases da carreira de Ana. E, assim, com uma banda afiada, um groove pesado, um espetáculo de abertura sobre Vogue e cultura Ballroom e, nos microfones, uma mensagem de boas-vindas do rapper FBC, Ana Frango Elétrico reverbera seu trabalho com a crocância, o capricho e o calor da boa pista de dança.
SETLIST:
Let’s Go To Before Again
Coisa Maluca
Tem Certeza?
Boy Of Stranger Things
Debaixo do Pano
Camelo Azul
Insista Em Mim
Nuvem Vermelha
Promessas e Previsões
Chocolate
Se No Cinema
Dela
No Bico do Mamilo
Não Tem Nada Não/Gypsy Woman
Electric Fish
Doutor Sabe Tudo
Bis: Farelos; Roxo; Mulher Homem Bicho
Luiza Zauza é graduanda em Jornalismo. Sempre em busca de encaixar sua devoção por Jorge Ben Jor e Tim Maia em alguma conversa. Aliás, já que estamos aqui: Leia o Livro Universo em Desencanto.