Ame Nathaniel Rateliff & The Night Sweats
Nathaniel Rateliff & The Night Sweats – South Of Here
37′, 11 faixas
(Stax/Concord)

Uma das mais belas variações sonoras surgidas do grande boom estético de música pop a partir dos anos 1960 é o … country soul. Ou folk’n’soul. Ou qualquer outro nome que você deseje dar para denominar a junção de elementos oriundos da música country & western – violões, letras em primeira pessoa contando histórias, geralmente de amores findos de forma abrupta ou jornadas pessoais de superação, devidamente embaladas em arranjos que misturam naipes de metal, guitarras em aceleração próxima do r&b cinquentista, tudo temperado por doses mais ou menos fortes de psicodelia sessentista. É uma junção que se tornou rara com o tempo, mas que nos deu nomes imaculados e pesadíssimos, como Van Morrison, The Band e até mesmo Harry Nilsson ou Glen Campbell em alguns momentos específicos. Com interpretações emocionantes, registros antológicos em estúdio, esses artistas – e mais uns poucos – cravaram seus nomes na história. Posso estar enganado, mas não ouvia falar de alguém digno de figurar nesta tradição há décadas, mas, felizmente, esse vazio já pode ser preenchido por um artista jovem e borbulhante. O americano Nathaniel Rateleef, devidamente acompanhado por sua banda, The Night Sweats. Juntos, esses oito sujeitos gravaram uma pequena obra prima instantânea, chamada “South Of Here”, que está nos serviços de streaming desde semana passada.
Mas, antes da banda, veio a carreira solo de Nathaniel Rateliff. Começou cedo, tocando bateria na igreja em sua cidade natal, nos cafundós do Missouri. Filho de pais religiosos, Nathaniel “caiu no mundo” a partir da audição de “Imagine”, de John Lennon. Seu estilo era o folk mais quieto e plácido, calcado em sua destreza ao violão e seu registro vocal grave, incomum para o gênero. Aos poucos, já radicado em Denver, no Colorado, ele não só deixou a igreja evangélica como se tornou um ateu, ao mesmo tempo em que se aprofundava na audição de grandes álbuns de soul e de country music. Em 2007, ele lançou seu primeiro álbum solo, “Desire And Dissolving Men”. Alguns anos depois, sentiu a necessidade de ter uma banda que o acompanhasse, tanto no palco, quanto no estúdio, e daí veio a formação do The Night Sweats, que se mostrou uma baita formação nos shows, chamando a atenção de gravadoras variadas. E foi justo o selo Stax, famoso pelo cast variado e importantíssimo que teve no passado, que bancou o grupo, com a liderança de Nathaniel. Em 2015, eles inauguraram a carreira com um EP chamado “A Little Something More From”, lançado em 2016. De lá pra cá, só fazem consolidar seu nome como uma das grandes sensações da música pop.
Nesses últimos nove anos, já temos quatro álbuns lançados e este assombroso “South Of Here” chega para sepultar qualquer dúvida sobre o talento e a relevância do grupo e de suas músicas. São pouco mais de 36 minutos em que cabem as onze faixas, todas devidamente arranjadas, elaboradas e compostas pelos músicos, com uma fluidez impressionante. A faixa de abertura, “David and Goliath”, traz uma melodia vigorosa, exibindo tensão tanto no arranjo quanto nos vocais de Rateliff. É uma tensão se estende para a segunda faixa, o single principal “Heartless”, certamente uma das canções mais lindas do ano. É um rock vigoroso, quase alt.country, com o som do grupo avançando através da ansiedade e do cansaço do mundo que Rateliff menciona na letra.
Ao longo de grande parte de “South of Here”, particularmente em “Cars in the Desert” e na energética “Call Me (Whatever You Like)”, é possível ouvir Rateliff and the Night Sweats canalizando essa energia e essa tensão. “Por que eu espero até que tudo fique mais difícil?”, lamenta Rateliff em “Center of Me”. É uma canção tão discreta parece que poderia estar em seu álbum solo de 2020, “And It’s Still Alright”, muito mais brando e vulnerável. O que a diferencia de seus trabalhos solo mais minimalistas é a cabulosa seção de metais do Night Sweats, que acentua a angústia e o desespero das letras e vocais de Rateliff. “Time Makes Fools of Us All” fecha “South of Here” com um arranjo tenso que evoca mais o rock básico, sem, no entanto, perder a modernidade de vista. Seria tudo o que o Kings Of Leon tentou fazer desde o ano 2000 e jamais conseguiu. Ao falar da batalha de um amigo próximo contra o câncer, Rateliff faz da canção um chamado para que cada momento seja importante e valha à pena. Em um álbum que enfoca as dificuldades, a música é um lembrete exuberante de que você ainda pode encontrar alegria e realização na vida.
“South Of Here” é um dos mais sensacionais discos do ano. Não o perca. Vá conhecer a trajetória da banda, mergulhe em seus álbuns prévios e ame este trabalho aqui. Tem tudo o que a música precisa para continuar transformando a vida das pessoas. Um clássico instantâneo.
Ouça primeiro: tudo.

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.