Ist Ist – Architecture

 

 

Gênero: Pós-punk

Duração: 37 min.
Faixas: 10
Produção: Adam Houghton
Gravadora: Kind Violence

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

O rock há tempos é uma grande rodinha na gaiola de um hamster. É difícil evitar a repetição de estilos e influências, certo? Quando é assim, a gente presta atenção a quem, dentro dessas revisitações ao que já foi feito, consegue imprimir alguma marca pessoal, algo que transforme o que já existe, tornando, quem sabe, algo novo. Pois essa é a impressão que temos ao ouvir o primeiro disco do quarteto inglês Ist Ist, da honrada cidade chuvosa de Manchester. Assim como um dos mais gloriosos representantes da região, o Joy Division, Ist Ist faz música para dias e vidas chuvosos. O estilo que o quarteto de Ian Curtis praticamente criou é revisto por outros quatro sujeitos, Adam Houghton, Joel Kay, Andy K e Mat Peters, com um equilíbrio surpreendente entre o que foi feito lá no fim dos anos 1970 e o que existe hoje, mais de 40 anos depois. “Architecture” é um belo convite para passear sob a chuva fina que respinga nas janelas da alma.

 

Sim, eu tenho um fraco por essas músicas de dias chuvosos. Acho que há beleza na tríade branco – preto – cinza e fico surpreso como é possível extrair substância dessa sonoridade magra e sofrida que é o pós-punk de matiz joydivisioniano. Os vocais barítonos, o instrumental preciso e árido, com o baixo proeminente e a bateria marcial, acompanhados de um pouco ou nada de teclados. Assim é este disco do Ist Ist, uma lindeza de contemplação e redenção sob o cinza de um céu nublado em precipitação atmosférica constante, que me faz pensar nesta jovem banda como um devoto ainda mais fiel do que o Interpol, grupo meio superestimado que leva este título desde que surgiu há quase vinte anos. Talvez fosse a hora de rever isso, até porque “Architecture” é, como dizem os críticos de lá, um “debut sólido”.

 

Nem é exatamente uma estreia, uma vez que o grupo já havia soltado alguns EPs para streaming e arrebanhado uma audiência fiel. A chegada do álbum só fez confirmar o talento dos sujeitos. Há canções sensacionais por todos os cantos. A abertura, com a declamação de versos de “Wolves”, em meio a um loop de efeito eletrônico, já dá o tom de que vem algo interessante por aí. A entrada dos instrumentos só comprova e o ataque da banda mostra a vontade com que o Ist Ist vem para o jogo. O single “You’re Mine” é uma pequena e bem aplicada cacetada que vai fundo no decalque da sonoridade mais clássica do Joy Division, com levada pulsante e ótimo instrumental, durando menos de três minutos. A lindeza de “Black” é um olhar esperançoso para o céu, mas logo desapontado pela insistência da chuva em meio a guitarras e belos vocais de apoio. “Discipline” é um espaço para lembrar dos primeiros anos do The Cure, com belo trabalho de guitarras e teclados e o verso repetitivo “What you need is discipline” em meio a uma levada de baixo saturado de efeitos.

 

“Silence” tem a evidência do baixo agudo como elemento harmônico do arranjo, marca registrada do JD, mas com uma bateria que ameaça irromper em várias viradas, mas que se contem. Exemplos de como a sonoridade Joy Division pode ser modificada e subvertida em algo diferente: a leveza surpreendente de “Drowning In The Shallow End, as batidas eletrônicas agudas de “A New Love Song”, que emula a crueza de “Atmosphere”, Under Your Skin”, que é uma não-balada derramada, cheia de viradas inesperadas de bateria e uso inteligente de teclados e a apoteótica faixa final, “Slowly We Escape”, que vai a 500 km/h em busca da luz.

 

“Architecture” é um ótimo dever de casa, executado com precisão, sem colar da Internet. Ist Ist se credencia para a galeria das bandas nas quais devemos ficar de olho. E de ouvidos atentos. Discaço.

 

Ouça primeiro: “Slowly We Escape”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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