Quando Neil Young e Crazy Horse se encontaram

 

 

 

 

Neil Young & Crazy Horse – Early Daze
39′, 10 faixas
(Reprise)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

Poucos artistas tratam tão bem seus fãs quanto Neil Young. E pouquíssimos são tão conscientes de que, às vezes apenas a passagem do tempo pode dar o contorno final a uma obra. Digo isso porque Neil não tem pudores em esperar anos, décadas para lançar algum material que tenha composto e gravado no passado. “Early Daze”, por exemplo, compila canções gravadas na virada de 1969/70, justo quando ele vivia um período de efervescência criativa e escolha entre várias opções que estavam diante de seus olhos. Neil não gostara muito de seu álbum de estreia, lançado em 1968. Achou que soava muito parecido com sua antiga banda, o Buffalo Springfield e estava atrás de algo que o destacasse em meio a vários artistas folk que estavam nas paradas daquele tempo. Um deles, o trio Crosby, Stills & Nash, no qual seu ex-companheiro de Buffalo Springfield, Stephen Stills, estava, logo seria mais um de seus projetos paralelos e afetivos. Neil concluiu que precisava de uma banda, de mais rock. Foi quando ele conheceu The Rockets.

 

Ao ver o grupo em ação, Neil não pensou duas vezes: os convidou para ser sua banda de apoio em apresentações ao vivo e os sujeitos, liderados por um certo Danny Whitten, toparam na hora e concordaram em mudar seu nome para a nova empreitada. Como Neil dissera que o som deles era tão forte quanto um “cavalo louco”, o grupo adotou Crazy Horse como nome e nunca mais mudou. E também nunca mais deixou de acompanhar Neil Young quando este os convocava. Sim, porque, quem conhece a carreira de Neil, sabe muito bem que ele nem sempre esteve a fim de seguir nessa seara com ambiência totalmente roqueira. Há álbuns mais folk, mais experimentais, estranhos, incríveis, mas, sempre que é preciso, os velhos companheiros cerram fileira a seu lado e, dessa colaboração, colheu-se frutos como “Zuma”, “Comes A Time”, “Rust Never Sleeps”, “Ragged Glory”, “Barn” e tantos outros discos bacanas. Mas, se houve um ponto de partida, ele se deu em 1969, quando Young e o grupo entraram em estúdio para gravar aquele que seria seu segundo álbum, “Everybody Knows This Is Nowhere”.

 

Este período de mudança e novidade é fascinante pois mostra o grande Neil tateando em busca de uma nova sonoridade. Se o álbum de estúdio trazia novas canções como “Cinnamon Girl”, “Down By The River” e a clássica “Cowgirl In The Sun”, logo integradas ao cânon de Neil, havia ainda muito mais coisas acontecendo. Por exemplo, o desempenho ao vivo do grupo era incendiário e tal fato pode ser conferido quando a Série Archives, idealizada por Neil para refazer seu caminho artístico ao longo do tempo, colocou no mercado “Live At Fillmore East, 1970”, mostrando uma performance sensacional dele ao lado do Crazy Horse, justamente fornecendo mais e mais informações sobre este período mutante, inclusive trazendo versões ao vivo para clássicos como “Everybody Knows This Is Nowhere” e “Come On Baby, Let’s Go Downtown”, duas das mais legais criações de Young naquela época. Agora, “Early Daze”, vem mostrar um punhado de gravações arquivadas de alguns clássicos e outras raridades, feitas no meio do furacão, quando não havia muita divisão sobre onde acabava Neil e começava o Crazy Horse.

 

A sensação de ouvir essas gravações é muito próxima de testemunhar uma performance ao vivo. Com a produção de Jack Nietszche (que também fazia parte da banda), o Crazy Horse era composto por Danny Whitten, mais Ralph Molina e Billy Talbot. Registradas na esteira do sucesso de “Everybody Knows…”, aqui estão presentes versões iniciais de “Winterlong”, “Dance Dance Dance” e “Downtown” (todas lançadas no álbum de estreia do Crazy Horse, que viria em 1971); a clássica “Helpless”, que se tornaria uma das faixas atemporais de “Déjà Vu” do Crosby, Stills, Nash & Young; a canção country “Wonderin'”, que Young só lançaria em 1983 no álbum de rockabilly “Everybody’s Rockin'”. Aqui também estão diferentes mixagens ou versões de “Nowhere” “Cinnamon Girl” e “Down by the River”, junto com versões iniciais de “Birds” (uma gravação alternativa apareceria um ano depois em “After the Gold Rush”) e, por fim, uma versão de “Look at All the Things”, escrita e cantada por Danny Whitten, que morreria de overdose em 1972 e, tragicamente, inspiraria o álbum obscuro “Tonight’s the Night” de Young.

 

“Early Daze” é a peça que faltava no quebra-cabeças que mostra Young em mutação. A primeira que ele viveria em sua vida artística. Aqui, jovem, disposto a correr riscos e aberto a incorporar novidade e modernidade em seu som, ele deu um passo decisivo em sua carreira, plantando as sementes do que viria a ser: um ícone da música popular do século 20. E além. Ouro puro.

 

Ouça primeiro: todas as faixas.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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