Alguns disquinhos pra tentar relaxar por esses dias

 

 

Estamos muito felizes com a vitória do Presidente Lula no segundo turno das eleições, certo? Certo. Porém, como não poderia deixar de ser, o atual ocupante do Planalto já bateu o recorde histórico de demora para reconhecer o resultado do pleito, numa atitude que mostra sua dificuldade em lidar com o jogo democrático. Como resultado, o país está com a respiração presa, enfrentando, desde ontem, vários bloqueios nas estradas regionais e federais, atrapalhando o deslocamento das pessoas e, se nada for feito em breve, o abastecimento do país. Independente de quem está fazendo tais ações – caminhoneiros, agitadores, infiltrados – elas são inconstitucionais e sua continuidade prevê punição da lei. E agora, depois que fez um discurso meia boca, mesmo dando a entender que iremos partir para a transição de governos, não dá pra relaxar.

 

Resumindo: o clima está bem tenso no país.

 

Sendo assim, numa tentativa camarada e simpática de aliviar a tensão que está sobre nossos ombros democratas, elaborei uma listinha com álbuns lançados na última semana. A maioria aqui é de trabalhos de músicos desconhecidos do público nacional, mas que, asseguro a todos, são excelentes, especialmente se você gosta de artistas que tentam recriar – e conseguem – atmosferas do pop americano dos anos 1970, especialmente a partir do que fizeram gente como Carole King. Além disso, também tem power pop maravilhoso, guitarras ambientais do deserto, folk rock noventista revisitado, fusão de jazz interpretativo de pianos e cordas, pop folk inglês com ares de Waterboys revisitado, enfim, um punhado de discos legais para dar uma confortada na alma. Vem com a gente.

 

 

 

Dazy – OUTOFBODY

O Dazy é o alterego de um sujeito James Goodson. A ideia por aqui é soar como se fosse uma mistura de Teenage Fanclub com Jesus And Mary Chain, algo que é idealizado, querido, ansiado por um monte de gente e que, até agora, eu ainda não via se materializar. A grande sacada está no clima de bedroom pop que Dazy traz em suas gravações, especialmente por conta do uso de uma bateria eletrônica, marca característica do JMC no seu surgimento. Onde entrariam as muralhas de guitarras dos irmãos Reid, entra a guitarra harmoniosa e tributária de Byrds, Big Star e Beatles, dando aquela acarinhada na alma necessidade. Uma lindeza. (4 out of 5 stars (4 / 5).

 

 

 

Old Sea Brigade – 5am Paradise

Mais um projeto de um homem só, no caso, o americano Ben Cramer. Desde 2016, o sujeito vem polindo sua mistura de rock alternativo ianque com toques de country e folk, chegando a este terceiro álbum, sem dúvida, o melhor que já fez. O resultado soa como uma versão mais calma e menos dramática da sonoridade que os escoceses dos Waterboys faziam nos anos 1980 e início dos anos 1990. Também soa como se fosse um Mumford & Sons sem a canastrice de estádio que o grupo inglês adquiriu com o tempo. De qualquer maneira, este “5am Paradise” é ótima pedida e cheio de belas canções. (4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Sylvie – Sylvie

Preparem-se para entrar num lugar em que ainda é 1972 e que parece ser vizinho da casa em que Carole King gravou “Tapestry”. O clima é totalmente pop folk daquele tempo e quem leva isso adiante é Ben Schwab, um músico da cena psicodélica atual de Los Angeles. O pai de Ben, John Schwab, tinha uma banda nos anos 1970, chamada Mad Anthony, cujas fitas foram achadas por ele e serviram de inspiração para criar este projeto pessoal, chamado “Sylvie”. A lindeza das sete faixas presentes neste álbum de estreia é indescritível, ultrapassando o terreno do exercício de estilo puro e simples, mostrando que Ben tem a manha. Não por acaso, ele já colaborou com grupos ótimos como Drugdealer e Golden Daze. A faixa-título, “Rosaline” e “Shooting Star” são de partir o coração de tão lindas. (4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

girlpuppy – When I’m Alone (2022)

Becca Harvey é de Atlanta e está debutando em disco com o nome de girlpuppy. Na verdade, ano passado ela lançou um EP com o nome de “Swan” e teve produção de Phoebe Bridges. A sonoridade aqui é lapidada e muito bonitinha, calcada num folk rock que soa como um Throwing Muses atual ou um Fleetwood Mac indie e pós-adolescente, com boa noção de melodias e talento evidente, especialmente na voz de Becca, que combina fragilidade e força. Algumas canções se destacam, caso de “Teenage Dream”, “Denver”, “Wish” (talvez a melhor do álbum) e “I Want To Be There”, que tem uma adorável ambiência country, que soa inesperada e muito bem-vinda. (4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Martha – Please Don’t Take Me Back

Martha é uma banda inglesa que já tem onze anos de atividade. O som que sai deste novo álbum dela é uma mistura de pop punk à la Green Day com powerpop noventista da melhor influência, num resultado sensacional. Em alguns momentos a gente tem a impressão de estar ouvindo um Cheap Trick renascido na atualidade, coisa bela de se ver. A produção é na medida entre o lo-fi e as timbragens de estúdios mais profissionais e há canções muito bonitas por aqui, com títulos ótimos, como “Baby, Does Your Heart Sink?”, “Total Cancellation Of The Future” e “I Didn’t Come Here To Surrender”. Ouça e ame. (4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Hermanos Gutiérrez – El Bueno y el Malo

Este discaço é o quinto da carreira da dupla de irmãos suíços com ascendência equatoriana. Foi gravado em Nashville e produzido por Dan “Blaack Keys” Auerbach, consistindo numa beleza de dez faixas que pagam tributo às trilhas de Ry Cooder e Enio Morricone, este, em sua faceta western spaghetti. Tudo aqui é lindo, especialmente planejado para soar como se estivéssemos atravessando o deserto, fugindo de algum povoado que foi exterminado por bandidos, que agora estão em nosso encalço. Além das guitarras dos irmãos, o próprio Auerbach toca a sua, junto com a presença de percussão e cordas, num clima real de trilha sonora de um filme que nunca existiu. Misterioso, belo e estranho. (4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

Benjamin Clementine – And I Have Been (foto)

Se você nunca ouviu um álbum do canadense Benjamin Clementine, certamente irá se espantar com a riqueza de sua música. Ele é um cantor, pianista, vocalista, compositor sui generis, uma mistura de Rufus Wainwright com Nina Simone em proporções quase iguais, com recursos percursivos, líricos e técnicos que são espantosos. Além disso, dia desses, ao ver “Duna”, na versão mais recente, do cineasta Dennis Villeneuve, lá estava Clementine como arauto do Imperador. Este “And I Have Been” é seu terceiro disco e soa estranho e rodopiante como os anteriores, com destaque para os arranjos que fundem cordas e piano, num looping constante de surpresas. Não tem faixa ruim ou desperdício por aqui, vão correndo ouvir e escolher as suas preferidas neste diadema. (5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

Junior Boys – Waiting Game (2022)

Os Junior Boys são de Hamilton, Canadá e têm uma proposta interessante para seu som: misturar paisagens atmosféricas com r&b contemporâneo, resultando num híbrido de batidas com new age que funciona em várias situações. A sonoridade da dupla é misteriosa, diáfana e meio imprevisível, variando neste espectro definido pelos dois polos estéticos que norteiam sua música. Este “Waiting Game” é seu sexto álbum e talvez o que mais mergulha na fusão dos estilos, soando, como disse a imprensa gringa, como “cheio de canções de ninar r&b, relaxadas, noturnas, com detalhes ambientes”. Talvez este disco seja um pouco mais focado na ambiência do que na batida, mas é tudo tão bonito e envolvente que chega até a parecer com uma versão contemporânea e mais eletrônica do 10cc.  Confira a dupla “Yes II” e “Dum Audio”. Ouça para comprovar. (4 out of 5 stars (4 / 5)

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Alguns disquinhos pra tentar relaxar por esses dias

  • 4 de novembro de 2022 em 15:47
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    Sensacional, o cara é um fenômeno.

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  • 4 de novembro de 2022 em 11:55
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    Benjamin Clementine e sua esposa Flo Morrissey vão lançar um trabalho em conjunto.

    Resposta

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