A volta do LP do Finis Africae
Estamos comemorando a chegada de “Finis Africae” aos serviços de streaming, ocorrida ontem, dia 24 de setembro de 2021. Para quem tinha o LP nos idos de 1987, a nostalgia é inevitável. A banda até retomou atividades nos últimos anos, como diz o texto abaixo, pinçado de uma edição da minha coluna Cadê, que o Monkeybuzz publicava semanalmente, toda segunda-feira. Era um espacinho no qual escolhia algum disco bacana do rock nacional, mas que estava fora de catálogo ou indisponível. O do Finis foi um dos que me vieram à mente logo. Sendo assim, reaproveito aquele texto e coloco o link pra ouvir o álbum no Spotify logo após, como uma justiça poética finalmente consumada. De vez em quando, pequenas alegrias povoam os nossos dias, tão sofridos ultimamente. Vamos nessa.
Finis Africae é uma banda de Brasília, apadrinhada por Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana, com proposta sonora ambiciosa, que contemplava a fusão de ritmos percussivos com o Pós-Punk anglo-brasiliense praticado no país em 1985/86. Talvez seja surpresa ter ciência de que o Finis vendeu cerca de 100 mil cópias naquela época e, após dois anos, desapareceu.
Em 1985, se você sintonizasse a Rádio Fluminense FM, provavelmente daria de cara com músicas como “Ética” e “Van Gogh”. Elas faziam parte da coletânea “Rumores”, um daqueles discos pau de sebo para avaliar desempenho de bandas novas em rádio e TV e lançá-las posteriormente em disco ou EP. Com nome em latim (que significa “nos limites do continente africano”) e baseado em referência literária de Umberto Eco, Alexandre Saffi, Neto Pavanelli, Rodrigo Leitão e Ronaldo Pereira se juntaram para levar adiante a tal idéia de fundir ritmos percussivos, Reggae e Funk com Rock.
Os rapazes saíram dos subterrâneos da Capital Federal por conta do burburinho feito por Renato Russo e Hermano Vianna (irmão de Herbert), totalmente encantados pela mistura sonora que o Finis praticava. Em pouco tempo estavam tocando em danceterias e palcos de Rio e São Paulo. Participar da “Rumores” foi o próximo passo natural e, como as canções tiveram boa penetração junto ao público mais alternativo, a banda logo era cogitada para gravar um disco só seu. Pouco tempo depois, no entanto, Rodrigo Leitão deixaria o grupo e Eduardo de Moraes assumiria os vocais. No ano seguite, o Finis lançava o primeiro EP, com seis faixas, entre elas, “Armadilha”, que se tornaria o grande sucesso do grupo. Com o sucesso obtido e campanha feita por Renato Russo, a EMI acabou contratando o Finis para o seu elenco.
Logo seria lançado o primeiro disco, homônimo, com a produção de Mayrton Bahia, mesmo produtor da Legião Urbana naquela época. “Finis Africae”, o disco, vinha com regravações de parte do repertório do EP, além de composições inéditas, batendo a casa das 50 mil cópias, o que levou a banda a empreender uma turnê nacional e dar as caras em vários programas de televisão. Não era raro vê-los no Chacrinha, no Fantástico, no Bolinha ao longo de 1987. “Armadilha” puxou o disco, mas “Máquinas” também fez muito sucesso, seguida por “Deus Ateu” e “Mentiras”, além da clássica e simpática “A Última do Lado A”, que, claro, encerrava o primeiro lado do LP. Ao fim do ano, “Armadilha”, com os belos versos “mas não troquei minha boca fechada pelas suas palavras vazias, você me fez envelhecer um ano a cada dia, você me fez cair outra vez na minha armadilha”, foi uma das músicas mais executadas pelas estações de rádio do país. Sim, nossas emissoras de rádio tocavam essas canções.
Mas, apesar do sucesso do grupo, no ano seguinte, vieram duas baixas: Neto e José Flores deixaram o Finis e voltaram para Brasília. Roberto Medeiros (baixo), Mac Gregor (teclado) e César Nine (guitarra) entraram para a banda e, com essa formação, ainda se apresentaram até 1990, quando, encerraram suas atividades. Nove anos mais tarde, em meio ao boom da nostalgia dos anos 80, o Finis retornou para vários shows, num projeto em que recebia outra bandas contemporâneas, chamado Anos 80 Rock Brasil, quando dividiram palco com Hojerizah, Black Future, Zero, Violeta de Outono e outras. Lançaram um EP de remixes e um disco ao vivo em homenagem aos 20 anos do EP “Finis Africae”, com todos os integrantes das diversas formações da banda.
Mesmo com o início de carreira independente e as comemorações mais recentes, o primeiro – e único – disco do Finis Africae pela EMI permanece inédito em CD, desconhecido da enorme maioria dos fãs do Rock nacional dos anos 80. É um trabalho cheio de nuances, com fortes linhas de baixo e com um dos grandes vocalistas daquele período, Eduardo de Moraes. Já passou da hora das gravadoras olharem com mais carinho para seus acervos e colocar esses discos nas prateleiras ou disponibilizá-los para download. A memória do Rock nacional agradece.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
boa notícia! Achei o LP num sebo em Brasília anos atrás…”Círculos” é a minha favorita