O melhor disco de Marina faz 30 anos

 

 

O pessoal está em polvorosa falando sobre os discos que estão completando 30 anos por agora. “Nevermind”, do Nirvana; “Bandwagonesque”, do Teenage Fanclub; “Trompe Le Monde”, dos Pixies; “Screamadelica”, do Primal Scream, tudo muito certo, tudo muito bem. Mas e os discaços nacionais que também fazem 30 anos em 2021? “Os Grãos”, dos Paralamas; “V”, da Legião Urbana, “Várias Variáveis”, dos Engenheiros do Hawaii, só pra ficarmos no hall das bandas de rock nacionais em atividade na época…E o sensacional “Marina Lima”, lançado em setembro daquele 1991? Como fica? Vamos fazer justiça e falar dele aqui, pois trata-se, talvez, do melhor e mais bem resolvido trabalho de Marina, que, a partir dele, passou a incluir o sobrenome em sua assinatura artística.

 

 

Quem estivesse atento ao que tocava nas rádios e MTV em 1991, não poderia escapar de Marina. Seu último disco, “Próxima Parada”, de 1989, tinha revelado um dos seus mais bem acabados hits, “À Francesa”, um funk certeiro, em parceria com Cláudio Zoli, que estava no inconsciente do público. Poucos meses depois, com a chegada a Music Television Brasileira, Marina viu sua versão eletrônica e quase experimental de “Garota de Ipanema” inaugurar a programação da emissora e, a partir daí, tocar muitas vezes, com a célebre imagem da tartaruga levando um toco de vela no casco. E, como se não bastasse, sua novíssima canção, “Acontecimentos”, entrou na trilha sonora da novela global “O Dono do Mundo”, cujo tema de abertura coube a ninguém menos que Tom Jobim, que compôs “Querida”, especialmente para a ocasião. Era uma dessas novelas chiques, escritas por Gilberto Braga, com núcleos ricos da Zona Sul do Rio, e com um vilão escroque vivido por Antônio Fagundes, que acossava uma mocinha inocente, encarnada por Malu Mader.

 

Pois bem, “Acontecimentos” era o primeiro indício de que Marina vinha com um novíssimo álbum em processo de produção/gravação. De fato, com a presença de dois craques no estúdio, Liminha e Fábio Fonseca (que assinara o ótimo “SLA Radical Dance Disco Club”, de Fernanda Abreu, meses antes), o novo trabalho de Marina prometia, não só continuar o pique do anterior, como, possivelmente, ampliar o poder de ação da cantora carioca, provavelmente conectando-a à moderna música pop planetária que, naquela época, passava, necessariamente, pelo diálogo com a eletrônica e o uso dos samplers. Quando o disco nasceu e veio às prateleiras, tudo isso pareceu muito natural, mérito não só dos produtores, mas da própria Marina, que parecia bem disposta a visitar essas novas paisagens. É bom lembrar que, em 1991, já tínhamos uma cantora ascendente que simbolizava essa modernidade, Marisa Monte, que já lançara um de seus melhores trabalhos até hoje, “Mais”. Mas, se a visão de modernidade que ela abraçava era muito brasileira, Marina parecia muito mais universal e conectada.

 

Com “Acontecimentos” ainda tocando nas rádios do país, veio a segunda canção, a impressionante “Criança”, com mais um clipe pela MTV e altíssima rotação. De fato, a gravação é uma das mais impressionantes já feitas por Marina, não só pelas ótimas letra e melodia, mas pelo arranjo e produção que recebeu, com batidas eletrônicas de primeira grandeza, teclados muito bem colocados – cortesia do próprio Fábio Fonseca, um discreto mestre em ação – e, paradoxalmente, com a capacidade de soar ao mesmo em Londres e na areia da Praia de Ipanema, no Rio. Aliás, o clipe mostra Marina olhando o mar, vento nos cabelos, vestida com o belo figurino amarelo-dourado da capa do álbum, parecendo em seu habitat natural. E estava.

 

E o que dizer da terceira canção a emergir do álbum, “Não Sei Dançar”? Talvez seja uma das mais belas baladas da música brasileira nas últimas quatro, cinco décadas. Composta por Alvin L, que habia feito parte do sensacional Rapzes de Vida Fácil e que comandava o promissor Sex Beatles, a canção era arrepiante, não só pelos versos “tudo que eu posso te dar é solidão com vista pro mar”, mas pelo arranjo impressionante, um verdadeiro piso corrido de teclados e timbres que evocam distância, saudade e impossibilidade do amor, tudo junto, num rocambole sonoro que emociona até uma pia de cozinha. E a voz de Marina amarrada tudo isso, com um laço dourado de humanidade, de sentimento, coisa muito linda, como já não se faz mais.

 

E se as músicas mais conhecidas são praticamente clássicos da carreira da cantora, “Marina Lima” também tem ótimos tesouros. “Grávida” é pareceria com Arnaldo Antunes, que deu à melodia elegante – escrita por ela – uma letra surrealista/existencial, que traduz uma feminilidade plena, que vai além do ato de dar a luz. Tem uma interpretação à capella de “Ela e Eu”, de Caetano Veloso, justo abrindo o disco. Tem “Não Estou Bem Certa”, versão de Pedro Pimentel para a bela “Sign Your Name”, de Terence Trent D’Arby, estouradíssimo desde 1988, quando lançara seu primeiro álbum, “Introducing The Hardline According To…”. E temos também “Pode Ser O Que For”, composta com Reinaldo Arias e Ronaldo Bastos, em homenagem a Cazuza, olhando para a ausência do poeta carioca, morto um ano antes, como algo que dá força e coragem para continuar. Escapa da tristeza com uma boa letra e bela melodia/arranjo. “E Acho Que Não Sou Só Eu” é outro achado, que tem um arranjo de violões e baixos impressionante, que chega a evocar algo que poderia ser dos Smiths ou do Cure.

 

Dois anos depois, Marina lançava “O Chamado”, confirmando esta fase exuberante em que se encontrava no início dos anos 1990. Na verdade, ela já começara esse período em 1989, com o já mencionado “Próxima Parada”, mas foi em “Marina Lima”, de 1991, que ela encontrou seu melhor momento, sua mais bem acabada tradução, como diria o parceiro e padrinho Caetano Veloso. Um dos mais belos discos brasileiros nestes últimos 30 anos, sem sombra de dúvida.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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