A trilha de “To Live And Die In L.A” está nos streamings
Nos idos de 1985/86 minha vida foi invadida pela prática de alugar fitas de VHS. Hoje isso parece algo tecnologicamente sem qualquer sentido, mas, naquele tempo, era um ato que exalava modernidade e desejo de ver filmes num ritmo maior do que as sessões da TV e as estreias do cinema podiam dar conta. E foi assim, alugando fitas, que dei de cara com “Viver e Morrer em LA”, um filme policial estiloso, dirigido por William Friedkin, que tinha no currículo filmes como “Operação França” e “O Exorcista”, mas também pisara na bola em “Cruising”, um longa em que Al Pacino interpretava um policial que assumia um disfarce de gay para pegar um serial killer que só matava membros da comunidade LGBTQA+. Pois bem, “Viver e Morrer” é bacanudo, tem Willem Dafoe num papel de um vilão que falsifica dinheiro e vive uma paranoia extrema e as cenas têm estilo, preocupações estéticas e o roteiro é bem acima da média para o gênero. Muito mais que o filme, a trilha sonora é absolutamente imperdível e sensacional. E é ela que está disponível nos serviços de streaming depois de incontáveis tempos.
“To Live And Die In LA”, a trilha, é assinada pelo Wang Chung, um grupo de new wave inglês que fica lá no fim da tabela, brigando para não cair pra segunda divisão. Apesar de boas músicas esporádicas e bem conhecidas, como “Dance Hall Days”, do primeiro álbum, “Points On The Curve” (1984) ou “Everybody Have Fun Tonight”, do terceiro, “Mosaic”, de 1986, o grande feito inegável na carreira do Wang Chung é, justamente, a trilha do longa de Friedkin. A história de como o grupo se tornou responsável pela música do longa dá conta que o diretor ouviu o primeiro álbum do WC e se apaixonou perdidamente. De fato, “Points On The Curve” é um bem acabado produto pop daquele tempo e tinha um craque em sua produção: Chris Hughes, que tocava teclado junto com o Tears For Fears. Tem os timbres e efeitos típicos de seu tempo e datou agradavelmente para ouvidos de hoje. A excelência das composições, no entanto, permanece intacta e “Dance Hall Days”, o hit do álbum, tornou-se também uma daquelas canções-gatilho dos anos 1980, com mais de 83 milhões de audições no Spotify.
Formado por Jack Hues (vocais), Nick Friedman (baixo) e Darren Costin (bateria), o Wang Chung jamais poderia recusar um convite para assinar uma trilha sonora de uma produção hollywoodiana de primeiro escalão. Se olharmos para os anos 1980, não há registro de banda daquele tempo que tenha recebido uma oportunidade tão grande. Mesmo que estivesse reduzido apenas a um duo – com a saída de Costin pouco tempo antes das gravações da trilha – o Wang se concentrou para compor oito faixas que dariam a moldura sonora para o longa. Aliás, Friedkin gostava tanto do trabalho anterior da banda que inseriu “Wait” e “Dance Hall Days” em cenas do filme. A faixa-título foi o grande sucesso, chegando ao posto 41 da Billboard, uma odisseia tecladeira e ritmada, que teve clipe em alta rotação com imagens da produção e o céu laranja do amanhecer angeleno a estampar a capa do álbum. Na Inglaterra, no entanto, o disco não foi notado. Talvez fosse americanismo em excesso para os britânicos, va saber.
Lembro de ver este disco saindo no Brasil em vinil, numa leva de lançamentos da gravadora Geffen, que chegavam por aqui pela primeira vez, provavelmente. Foram vendidos como “novo rock” ou algo assim, não passando de música pop rock radiofônica, mas, uma ouvida mais atenta às canções da trilha é suficiente para mostrar como o Wang Chung tinha boa mão para hits em potencial. “Wait” é uma progressão de baixo, bateria e piano para vocais ritmados no mesmo andamento de “Modern Love”, de David Bowie, só que em velocidade maior. “Wake Up Stop Dreaming” tem cascatas de teclados e sintetizadores fazendo percussão e ritmo, uma das melhores canções do álbum, com ecos de Frankie Goes To Hollywood e New Order ao mesmo tempo. “City Of Angels” abre o antigo “Lado Dois”, que era totalmente instrumental e climático, com canções que serviram muito para ilustrar passagens contemplativas do longa, nas quais Friedkin mostra cenas e detalhes das ruas de Los Angeles. Esta música, com progressões vertiginosas de baixo, bateria e guitarra, serviu como trilha sonora de vários anúncios e teve até algum uso em programas jornalísticos das redes Globo e Manchete.
Além de “To Live And Die In LA” e “Points On The Curve”, “Mosaic”, o terceiro álbum, é bem mais pop e envereda para o lado “funk de branco” que o Wang Chung abraçou a partir daí, algo como um INXS mais eletrônico e menos inspirado, porém, sua marca já estava registrada nestas oito curiosas canções da trilha sonora. Milagrosamente, sem mais nem porquê, ela agora está dando sopa, esperando que você venha ouvi-la. Vale a pena, eu garanto.
E o filme? Bem, deixamos um link para o Youtube, onde está disponível uma versão com a dublagem original oitentista, sempre uma lindeza de ver e ouvir. Vai nessa.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Belíssimo resgate, meu caro. A versão em vinil da trilha de To Live And Die In LA saiu no Brasil em vinil via CBS, em uma leva de 12 lançamentos que tinha a tarja New Rock Collection em suas capas e incluía trabalhos de R.E.M., Alarm, Spear Of Destiny e outras bandas emergentes na época.