Vangelis além do óbvio
Morreu Vangelis. O músico grego, nascido Evángelos Odysséas Papathanassíou, em 1943, entrou para a história da música popular ao vencer o Oscar de Melhor Trilha Sonora por “Carruagens de Fogo”, em 1981. Quase ao mesmo tempo, ele já estava trabalhando na trilha sonora de “Blade Runner”, filme de Ridley Scott, que foi lançado no mesmo ano, mas ganhou o mundo em 1982. Vários desentendimentos contratuais levaram o filme a sair com interpretações orquestrais das composições de Vangelis, fato que só se resolveu 12 anos depois, quando o álbum com a trilha foi finalmente lançado. E em 2007 a questão foi resolvida, quando saiu uma caixa contendo as gravações originais e ainda material composto por ele, especialmente para a ocasião.
A maioria das pessoas conhece a obra do grego por conta dessas incursões marcantes. Alguns também poderão lembrar da magnífica trilha que ele compôs para outro filme de Scott, “1492 – A Conquista do Paraíso”, mas devem ser poucos. Por isso que a gente resolveu compilar algumas coisas interessantes da obra do grego e apresentá-las para vocês, visando ampliar o teu conhecimento sobre essas belas composições que entrecruzam new age, música eletrônica e mais detalhes tão interessantes.
Em primeiro lugar, é bom dizer que o homem esteve presente no grupo Aphrodite Child, entre os anos de 1963 e 1971, quando eles se separaram. Foi neste grupo que ele conheceu o vocalista Demis Roussos, com quem trabalhou também posteriormente. O disco mais marcante do grupo foi “666”, um álbum conceitual pensado por Vangelis, que tinha o Livro das Revelações como fonte de inspiração. A partir do fim do grupo, Vangelis iniciaria uma nova fase em sua carreira, que culminaria com sua mudança para Londres e o início de várias gravações para o cinema e para álbuns próprios. A canção “La Petite Fille de la Mer”, inserida na bela trilha sonora do documentário “L’Apocalypse des Animaux”, de 1973, é um exemplo de como o músico tinha a noção do hit pop aplicada às regras e formas próprias da música instrumental. Outro grande hit desta época é a canção “Pulstar”, presente no álbum “Albedo 0.39”, lançado em 1976. Ela seria escolhida para sonorizar a propaganda de um cigarro no Brasil, chamado “Advance”, o que levou toda uma geração de fãs de música a conhecerem o trabalho de Vangelis.
Enquanto isso, vários álbuns marcantes desta primeira fase como artista solo foram gravados, a destacar os belíssimos “China” (1978) e “Opera Sauvage” (1979). Ele também foi responsável pela trilha sonora da versão televisiva de “Cosmos”, livro escrito por Carl Sagan. Após o sucesso da trilha de “Carruagens de Fogo”, que o levou ao Oscar, e da trilha de Blade Runner, que o tornaria ainda mais famoso doze anos depois, Vangelis gravou belos discos nos anos 1980. O primeiro deles é a trilha sonora do filme “Antarctica”, de 1983, absolutamente acachapante, dosando silêncios e intervenções de um arsenal de sintetizadores e teclados. Outros destaques desta época vão para “Mask” (1985), “Direct” (1988) e “The City” (1990).
A boa forma de Vangelis seria confirmada pelo sucesso mundial da trilha de “1492”, logo amplificado e elevando a várias potências por conta do lançamento da trilha de “Blade Runner”. Em 1996, ele soltaria outro belo disco, ainda que menos inspirado: “Oceanic”. Sonorizar “Alexandre”, filme dirigido por Oliver Stone e lançado em 2004 foi outro desafio que Vangelis topou, ainda que não sendo capaz de fazer algo que remetesse aos sucessos do passado, o score instrumental foi bem recebido.
Vangelis teve sua discografia relançada e remasterizada em 2016, incluindo também seus álbuns feitos com colaboração de Jon Anderson, vocalista do Yes, entre 1980 e 1983 (“Short Stories”, “The Friends Of Mr Cairo” e “Private Collection”). Desta parceria surgiram dois hits mundiais – ‘I Hear You Now” e “Deborah”, ambas canções pop com muitos sintetizadores e senso melódico apurado, que renderam muita visibilidade à dupla. Os últimos trabalhos que Vangelis lançou foram “Rosetta” (2016) e “Nocturne” (2019). Em 2021 ele soltou seu ultimo álbum, “Juno to Jupiter”, inspirado na missão Juno, lançada pela NASA em 2011.
Para muita gente, Vangelis foi aquele cara que abriu portas para a música eletrônica e/ou instrumental. Merece nossa reverência.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Foi o melhor texto sobre Vangelis que li após sua morte, neste pobre e ignorante mundo em que vivemos hoje. Obrigado e parabéns.