Uma alternativa para o country
Texto originalmente publicado no Monkeybuzz, em 1º de novembro de 2013: veja aqui
Pode parecer estranho dizer, em pleno 2013, que houve tempo em que, simplesmente não existia Rock. E isso nem está tão distante em nossa história, basta chegar ao início da década de 1950 e ver como era o mundo antes do Rock’n’roll. O ritmo, resultante da junção de sonoridades negras e brancas, surgiu como parte de uma tomada de consciência social de que havia jovens no planeta e que, num mundo pós-Segunda Guerra e capitalista, tais indivíduos constituíam um grande mercado em potencial. Aos poucos o novo ritmo foi se instalando e se tornando sinônimo de juventude. Um dos pais do Rock foi o Country, que era a parte branca da mistura. Surgiu como a canção dos habitantes da América rural, com posterior adaptação ao crescimento das cidades e do próprio campo. Era a música do americano mais simples, herdada dos marés e alternâncias dos brancos fundadores do que eles chamam de Heartland ou Homeland.
Até o advento do Rock, esses ritmos não se misturavam. O Country, apesar da admiração de gente grande como Ray Charles, era um ritmo praticamente estanque e de white folks. Aos poucos ele foi perdendo terreno e precisou adaptar-se ao mundo que surgiu após meados da década de 1960. Muitas bandas de rock americanas tinham integrantes que cresceram em casas onde o Country era o ritmo dominante e era impossível que esses sujeitos não fossem influenciados de alguma forma. Byrds foram a primeira banda que fez sucesso com influências de Country, principalmente a partir do segundo disco, no qual, entre outras coisas, está uma regravação da tradicional “Oh, Susannah”. Não havia, no entanto, algum sinal de aproximação de rock e country mais evidente até 1968, quando lançaram “The Notorious Byrds Brothers”, após a saída de David Crosby. O disco já continha elementos Country evidentes, mas a banda abraçaria o gênero com a chegada de um elemento-chave para o surgimento do que se entende como country rock, Gram Parsons. A partir da chegada desse nativo da Flórida, que teria vida curta (falecendo em 1973), Byrds experimentariam algo absolutamente novo em termos de sonoridade, lançando “Sweetheart Of The Rodeo”, no fim de 1968. Este disco é tido como o marco zero do Country Rock. A partir daí, o estilo seria visitado por muitos artistas e bandas e sofreria várias mutações, que levariam a matriz Country para várias áreas diferentes do Rock, como Psicodelia, Soft-rock, entre outros.
O Country, por sua vez, continuou existindo mesmo com a possibilidade aberta por sua fusão com o rock. O estilo, no entanto, foi vitimado pelo comercialismo crescente a partir da década de 1970, com a derrocada de alguns cantores importantes, como Johnny Cash ou Merle Haggard. Em 1978, Willie Nelson faria muito sucesso com um disco de standards da canção americana, Stardust, mostrando que o gênero sofria uma perda de sentido e credibilidade, não necessariamente pela qualidade do disco – muito bom – mas pela falta de significado para o público ouvinte. A situação piorou ao longo da década de 1980, época em que alguns jovens começaram a pensar que havia possibilidade de unir o Country e o Country Rock com elementos surgidos pouco tempo antes, no caso, oriundos do punk. A partir dessa consequente recuperação da juventude e espontaneidade no country, agora como gênero capaz de descrever a vida desses jovens dos anos 80 em algumas cidades do Meio Oeste americano, como Chicago, Minneapolis e Indianapolis. Surgia então o Country alternativo ou Alt-Country, devidamente forjado na recuperação da capacidade do gênero em se adaptar às narrativas do americano médio, agora devidamente influenciado pelo tempo em que vivia, ou seja, o fim da década de 1980, tempo em que o mundo mudava para adotar sua configuração atual.
Preparamos uma lista de discos representativos do Country rock e do Alt-country para você se iniciar ou relembrar do estilo com classe e propriedade.
Byrds – Sweetheart Of The Rodeo (1968)
O início de tudo. A banda clássica de Rock Psicodélico dos anos 60, abandona a inspiração em Beatles e as letras viajantes sobre LSD para mergulhar no campo e na sua relação com a cidade. A América mais rural sob o ponto de vista de jovens rockers, em busca de orientação num tempo sem qualquer referência. Covers lindas de gente como Bob Dylan, Merle Haggard, Woody Guthrie e canções próprias como “=Hickory Winds ou 100 Years From Now, credenciam esse disco para a galeria dos clássicos.
The Band – The Band (1969)
O segundo disco da The Band, formada por quatro canadenses e um americano, é um dos mais brilhantes de todos os tempos. A mistura de Country, Rock e Blues, além de pitadas de r&b é irresistível e podemos dizer que constitui um ancestral de bandas mais recentes como o Wilco, por exemplo, principalmente pela noção de que é possível misturar a matriz Country com vários estilos e ainda soar totalmente americano.
Bob Dylan – Nashville Skyline (1969)
Este é considerado o “disco country” de Bob Dylan. gravado e lançado num tempo em que muitos esperavam uma declaração política ou algo muito mais antenado com os tempos que corriam. Dylan, sempre controverso e imprevisível, lançou um álbum de admiração pelo estilo, belíssimo e cheio de mensagens cifradas, além da participação afetuosa de Johnny Cash na regravação de Girl From The North Country.
Neil Young – Everybody Knows This Is Nowhere (1969)
Neil Young sempre tangenciou as narrativas do Country, sem nunca mergulhar no estilo. Ele só gravaria um disco homenageando o gênero totalmente em 1985, com Old Ways. Mesmo assim, podemos dizer que o início de sua carreira tem grandes débitos com as narrativas próprias do Country.
Eagles – Desperado (1973)
Surgidos na encruzilhada dos anos 60/70, os Eagles tinham em Don Henley e Glenn Frey sua principal força criativa. Eles vinham de backgrounds diferentes mas, pelo menos até 1975, a banda manteve-se muito mais próxima do Country Rock que do Hard Rock para FM’s que empreendeu mais tarde. Seu segundo disco foi conceitual, em homenagem ao Velho Oeste e sua mitologia.
Cowboy Junkies – The Trinity Session (1988)
O gênero Country permaneceu sem novidades ao longo de um bom espaço de tempo. Os canadenses do Cowboy Junkies, com a voz esparsa de Margo Timmins e os arranjos econômicos de seus irmãos, Michael, Peter e John, praticamente reinventaram o estilo. Com versões que vão de artistas como Hank Williams a Velvet Underground, Trinity Sessions é um clássico sempre esquecido.
Uncle Tupelo – No Depression (1990)
O primeiro disco do Uncle Tupelo já apareceu em outra lista, a de discos esquecidos dos anos 90. Mesmo assim, não há como fazer uma lista de álbuns essenciais da Alt.country sem mencionar aquele que a crítica musical indica como sendo o primeiro. De fato, é apropriado mapear o gênero e apontar para este disco, apesar da possibilidade e enxergarmos apropriações e grandes flertes anteriores. A banda que revelou Jay Farrar e Jeff Tweedy teve pouca duração (só lançaria quatro discos) mas cravaria seu nome na história.
Johnny Cash – American Recordings (1994)
O renascimento artístico de Johnny Cash e sua consequente apresentação às novas gerações. Com a produção de Rick Rubim, a voz de Cash é colocada em primeiríssimo plano, num universo lúgubre em que só existe, além dela, o violão. O repertório trazia canções do próprio Cash, além de covers sensacionais de Leonard Cohen, Tom Waits e Nick Lowe e serviu de orientação para o restante da carreira do Man In Black.
Whiskeytown – Faithless Street (1995)
O primeiro disco do Whiskeytown é um belo exemplo dessa geração de jovens dos anos 80, devidamente influenciados pela fusão de Country, Rock e Punk, personificada aqui na figura de um Ryan Adams com 20 anos. Faithless Street é preciso, diversificado, oscilando entre as decepções do ingresso na vida adulta e a felicidade efêmera trazida pelas bebedeiras e leves alegrias. Um disco indispensável.
Son Volt – Trace (1995)
A banda formada por Jay Farrar logo após o fim do Uncle Tupelo. Enquanto Jeff Tweedy formaria o Wilco, Farrar, a bordo do Son Volt, empreenderia uma sonoridade muito mais calcada no country que seu ex-colega de banda. Em dez composições próprias, mas uma cover arrebatadora de Ron Wood, em Mystifies Me, o primeiro disco do Son Volt é outro da lista de pequenos clássicos esquecidos.
Jayhawks – Tomorrow The Green Grass (1995)
Gary Louris e Mark Olson são as mentes criativas por trás do Jayhawks, adorável banda de Minneapolis. Tomorrow The Green Grass é seu quarto disco, marcando um abraço mais amplo em torno de estilos próximos ao Country Rock, que fora sua maior inspiração. Detalhes como as guitarras que pegam emprestado timbres de George Harrison ou covers iluminadas como Bad Time, do Grand Funk, fazem de Tomorrow outra pepita perdida.
Lambchop – How I Quit Smoking (1996)
Lambchop é uma pequena orquestra criada pela mente imprevisível e sensacional de Kurt Wagner. Surgido com inspiração na encruzilhada entre campo e cidade e originário de Memphis, Tennessee, o Lambchop tem momentos sensacionais numa carreira que dura até hoje. A sonoridade é bem distante do habitual ou do esperado em uma formação que tenha o Country como elemento formador, mas é possível perceber toda a intenção de Wagner nos arranjos e vocais sussurrados. How I Quit Smoking foi o segundo disco lançado pelo grupo e permanece como o melhor que já gravaram.
Wilco – Being There (1998)
O segundo disco do Wilco traduz o momento em que a banda de Jeff Tweedy se dispõe a trilhar um caminho próprio no território do Alt-Country. O primeiro trabalho, A.M, era um disco bom dentro do estilo, mas foi com Beign There que o Wilco provou que seria capaz de transcender tudo. O próximo passo seria seu melhor disco até hoje, Summeteeth, mas já muito distante do alt.country.
Lucinda Williams – Car Wheels On A Gravel Road (1998)
Este é o quinto disco desta nativa de Lake Charles, Louisiana, no qual ela, finalmente, após 20 anos de carreira, atingia um nível de excelência em termos de vocais e composição. Na verdade, o sucesso viria com o trabalho seguinte, Essence, mas Car Wheels é absolutamente brilhante do início ao fim, trazendo uma ambiência de estrada e cidade pequena, típica dos Estados Unidos. A voz e o instrumental do disco são perfeitos.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.